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Terapia alvo-específica: Maior afinidade, melhor resultado?

-Por Luiza Abdo-


As terapias que utilizam células CAR-T têm uma taxa de resposta muito boa em pacientes com tumores líquidos derivados de células B. Contudo, isso não é visto em tumores sólidos. Existem algumas barreiras que impedem que as terapias com células CAR-T sejam eficazes no combate de tumores sólidos. Podemos citar a necessidade das células CAR-T se infiltrarem na massa tumoral sem sofrer nenhum tipo de bloqueio e, talvez mais importante, encontrar um antígeno específico e único que englobe todo o tecido tumoral (incluindo eventuais metástases). Esse último ponto é inconcebível em vários tipos tumorais, devido à grande heterogeneidade de alguns dos tumores sólidos.

Apesar da heterogeneidade de tumores sólidos, a proteína HER-2 é um alvo atraente. Essa proteína, muitas vezes, apresenta uma expressão aberrante e já existem terapias alvo contra a mesma[1]. Trastuzumabe, por exemplo, é um anticorpo monoclonal que reconhece HER-2 e é amplamente utilizado em pacientes com câncer de mama que super expressam essa proteína[2],[3]. Apesar dessa terapia apresentar benefício para o paciente, ela tem potencial de causar cardiotoxicidade[4]. Esses dados corroboram com o desfecho do primeiro ensaio clínico utilizando células CAR-T anti-HER-2 que, após o tratamento de um paciente portador de câncer de cólon, as células CAR-T anti-HER-2 reconheceram proteínas HER-2+ do sistema cardiopulmonar desse paciente, levando a uma toxicidade letal[5]. Por mais que existem vários modelos murinos para terapias com células CAR-T já bem estabelecidos, não é possível ver efeitos colaterais de reconhecimento do antígeno fora do ambiente tumoral (conhecido como efeitos on-target, off-tumor) no reconhecimento da proteína-alvo, pois os tecidos dos diferentes órgãos murinos não expressam necessariamente as mesmas proteínas que nos órgãos humanos, além dos níveis de expressão destas proteínas também poderem variar entre diferentes espécies.

Pensando nisso, artigo publicado recentemente por Castellarin e colaboradores 2020[6], demonstrou um modelo murino que poderia simular situações de on-target, off-tumor: um camundongo que expressa baixos níveis de HER-2 em seu fígado para utilizar a terapia com células CAR-T que reconhecem o HER-2 apenas no tumor, sem efeito on-target, off-tumor. Para isso o grupo validou dois diferentes modelos de transferência gênica da proteína HER-2 para tecidos saudáveis in vivo: (1) injetou adenovírus-associado de forma intravenosa para uma expressão duradoura e (2) injetou de forma intravenosa vetores não virais baseado em transposon PiggyBac 2 para expressão permanente. Ambos os sistemas de entrega possuem o cDNA do HER-2 com seu promotor responsivo a um hormônio específico do fígado, o TBG (globulina de ligação do hormônio da tireoide). Isso permite que a expressão do HER-2 ocorra apenas no local desejado. Além disso, os pesquisadores descrevem que diferentes níveis de expressão de HER-2 podem ser alcançados dependendo da quantidade de vetor injetado, ou seja, é possível regular a intensidade de expressão do seu transgene.

Além do desenvolvimento desse modelo de camundongo, o grupo desenhou dois CARs com mutações específicas na porção de reconhecimento da molécula. Considerando isso, outro objetivo desse trabalho foi comparar um CAR anti HER-2 que reconhece essa proteína com alta afinidade (CAR HER-2 HA) com outro CAR que reconhece HER-2 com menor afinidade (CAR HER-2 LA), em um animal que expressa baixos níveis da proteína HER-2 em seu fígado. Essa proposta pode mimetizar efeitos colaterais caso haja reconhecimento da proteína e qual construção dos CARs se adequa melhor nesse sistema.

Após o estabelecimento do modelo experimental de camundongo expressando diferentes níveis de HER-2 em seu fígado, foi possível mensurar a toxicidade de um efeito off target desejado quando ocorre o tratamento com células CAR-T. A partir disso, os camundongos que possuíam baixa e alta expressão da proteína HER-2 foram tratados com as células CAR HER-2 HA e CAR HER-2 LA. Os grupos de animais que tinham uma alta expressão de HER-2 e posteriormente tratados com as células T expressando CAR de alta afinidade ou baixa afinidade, morreram com menos de 25 dias após o início do tratamento, deduzindo uma toxicidade letal após tratamento com ambas células CAR-T. Já os animais expressando baixos níveis de HER-2 em seu fígado apresentaram sobrevida de mais de 60 dias em ambos os grupos, com apenas um animal morto no grupo CAR HER-2 HA. Esses resultados indicam que baixos níveis de expressão da proteína alvo em órgãos saudáveis, podem resultar em um perfil mais seguro, evitando a toxidade no tratamento com células CAR-T.

Pensando em um contexto de um modelo único no qual o tumor sólido possui altos níveis de HER-2 expressos e possíveis tecidos saudáveis que possam ter baixos níveis da mesma proteína, os autores inocularam a linhagem celular SKOV-3 (tumor de ovário com altos níveis de HER-2) em camundongos com baixa expressão de HER-2 em seu fígado. O grupo que foi tratado com células CAR HER-2 LA obteve uma maior redução do volume tumoral quando comparado com o grupo que recebeu CAR HER-2 HA. Contudo, os dois grupos que receberam a imunoterapia com células CAR-T tiveram uma redução tumoral significativa quando comparados com os camundongos não tratados. Um aspecto interessante nesse trabalho é o comportamento migratório das células CAR-T nos camundongos. As células CAR-T com baixa afinidade, CAR HER-2 LA, saíram da região do baço e do fígado e migraram para o sítio do tumor praticamente 7 dias antes do que as células CAR HER-2 HA. Isso pode acelerar o efeito antitumoral e levar a um desfecho mais favorável.

Essa fina regulação de afinidade talvez seja a saída para quando se planeja experimentar novos alvos terapêuticos em pacientes com tumores sólidos, já que não se sabe de forma detalhada exatamente quais proteínas são expressas no organismo como um todo. Nossa tendência às vezes é pensar que quando há um reconhecimento alvo específico em uma terapia, o aumento da afinidade do receptor pode ser a melhor decisão. Esse trabalho mostra que diminuir a afinidade das células CAR-T pode ser a melhor saída em determinados contextos em que há diferenças de expressão entre o alvo molecular no tumor e em tecidos saudáveis. Há muito o que fazer para aperfeiçoar a imunoterapia com células CAR-T, principalmente em tumores sólidos. Além desse trabalho discutido aqui, também já discutimos um trabalho que desenhou moléculas de CAR para que não sofram ubquitinação, melhorando a persistência do CAR na membrana e já comentamos outro trabalho que demonstrou que o desligamento de alguns ITAMs da cadeia CD3z pode influenciar na sua ação antitumoral. Sem dúvida, o aperfeiçoamento do conhecimento a respeito das terapias celulares alvo-específicas pode trazer inúmeros benefícios para os pacientes.



Figura representativa adaptada do texto.

Esse trabalho desenvolveu camundongos capazes de expressar a proteína HER-2 no fígado (1). Após a transferência gênica in vivo, os camundongos foram tratados com células CAR-T que reconhecem a proteína HER-2(2). Foram desenhados 2 CARs diferentes, um que reconhece a molécula com alta afinidade (CAR HER-2 HA) e o outro, com baixa afinidade (CAR HER-2 LA). Observou-se que o perfil migratório das células CAR-T se difere, as CAR HER-2 LA deixam o fígado e migram para o tumor antes que as células CAR HER-2 HA (3 e 4). Isso pode garantir uma vantagem no efeito antitumoral para as células com baixa afinidade, já que adentram o sítio tumoral dias antes em comparação ao grupo com alta afinidade. Fonte.


Texto base:

CASTELLARIN, Mauro et al, A rational mouse model to detect on-target, off-tumor CAR T cell toxicity, JCI Insight, v. 5, n. 14, .


Referências:

[1] ERBB2 amplification in breast cancer analyzed by fluorescence in situ hybridization., disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC49283/>, acesso em: 16 set. 2020. [2] CAMERON, David et al, 11 years’ follow-up of trastuzumab after adjuvant chemotherapy in HER2-positive early breast cancer: final analysis of the HERceptin Adjuvant (HERA) trial, Lancet (London, England), v. 389, n. 10075, p. 1195–1205, 2017; VON MINCKWITZ, Gunter et al, Trastuzumab Emtansine for Residual Invasive HER2-Positive Breast Cancer, The New England Journal of Medicine, v. 380, n. 7, p. 617–628, 2019. [3] VON MINCKWITZ, Gunter; HUANG, Chiun-Sheng; MANO, Max S.; et al. Trastuzumab Emtansine for Residual Invasive HER2-Positive Breast Cancer. The New England Journal of Medicine, v. 380, n. 7, p. 617–628, 2019. [4] NEMETH, Balazs T. et al, Trastuzumab cardiotoxicity: from clinical trials to experimental studies, British Journal of Pharmacology, v. 174, n. 21, p. 3727–3748, 2017. [5] Case Report of a Serious Adverse Event Following the Administration of T Cells Transduced With a Chimeric Antigen Receptor Recognizing ERBB2, disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2862534/>, acesso em: 16 set. 2020. [6] CASTELLARIN, Mauro et al, A rational mouse model to detect on-target, off-tumor CAR T cell toxicity, JCI Insight, v. 5, n. 14, .

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