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Nova ferramenta do sistema CRISPR/Cas: Nuclease AsCas12a Ultra facilita a rápida geração de células

- Por Eduardo Mannarino -


A criação do sistema de edição gênica utilizando repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas (CRISPR) e proteínas associadas ao CRISPR (Cas), tanto para procariotos quanto eucariotos (CONG et al., 2013; JINEK et al., 2012), permitiu um avanço em diversos campos científicos (BARRANGOU; HORVATH, 2017). Assim, o sistema mais amplamente utilizado é o CRISPR/Cas9, que apesar de ser eficiente em sua aplicação, apresenta certas limitações: consideráveis edições em sítios não desejados do DNA (off-target), alteração gênica apenas em alvos que contém uma sequência NGG (PAM) adjacente à sequência alvo da edição, baixa eficiência de edição em alguns tipos celulares dentre outros (UDDIN; RUDIN; SEN, 2020).


Dessa forma, novas Cas e suas variantes são estudadas com o objetivo de aprimorar essa ferramenta de edição gênica, diminuindo possíveis efeitos off-target ou utilizando outras Cas que possuam diferentes requerimentos para sequência PAM. Com isso, o artigo tratado aqui visa estudar uma variante da Cas12, derivada da bactéria Acidaminococcus sp., denominada AsCas12a.


Entretanto, antes de iniciar o comentário sobre o artigo é necessário entender um pouco sobre a Cas12 de maneira geral. A começar, esta é classificada como uma Cas de classe II que, à semelhança da Cas9, do tipo V (MAKAROVA et al., 2020), apresenta duas subunidades catalíticas iguais (RuvC). Assim, a Cas12 realiza cortes em diferentes posições no DNA e gera pontas coesivas ao invés de cegas. Além disso, seu RNA guia (gRNA) é constituído apenas pelo CRISPR RNA (crRNA), de mais ou menos 42 nucleotídeos (nt), e possui, de forma genérica, o requerimento para sequência PAM como sendo TTTV (Fig. 1) (ANZALONE; KOBLAN; LIU, 2020).


Figura 1 Comparativo de características gerais entre a Cas9 e Cas12. Imagem representativa de ambas as Cas adaptada do artigo base e do ANZALONE; KOBLAN; LIU, 2020.


A variante AsCas12a foi escolhida pelo autores principalmente pois foi reportando em outras duas publicações que esta proteína possui uma alta especificidade pela sua região alvo, possuindo menor efeito off-target (KIM et al., 2016; KLEINSTIVER et al., 2016). Além disso, as pontas coesivas geradas na clivagem permitiriam uma implementação de um DNA doador na orientação correta e seu custo de produção seria menor, pois requer apenas o crRNA de 42 nt, ao contrário da Cas9, que necessita do crRNA de ativação em trans (tracrRNA) além do próprio crRNA, tendo ao final um RNA guia com aproximadamente 100nt.


Apesar dessas vantagens referidas, a Cas12 e suas variantes apresentam uma baixa eficiência de edição. Assim, o objetivo do grupo foi gerar mutantes da AsCas12a que mantivessem a alta especificidade e tivessem um desempenho melhor de edição, através de uma metodologia de evolução direcionada. Neste contexto, foram utilizadas E. coli que continham um plasmídeo com uma sequência alvo com PAM TTTT e codificava uma toxina letal para a bactéria. Foi confeccionado, com mutações em alguns aminoácidos, um plasmídeo que expressava AsCas12a e o crRNA para a sequência alvo. Assim, a geração dos mutantes constituía-se de serem capazes de clivar o plasmídeo com a toxina, impedindo a morte da bactéria (Fig. 2).


Figura 2 Experimento de evolução direcionada para geração de AsCas12a mutantes. Adaptada do artigo base.


Foi identificado um mutante duplo M537R/F870L, sendo posteriormente separadas as mutações para observar a influência de cada uma no efeito de edição promovido pela AsCas12a. Os autores notaram um efeito de clivagem de DNA maior no mutante duplo e mutação M537R apenas, seguida da mutação F870L apenas e, por último, a enzima wild-type (WT). É discutido que a mutação M537R teria uma influência maior, pois esta ocorre num sítio que é responsável por promover uma interação direta entre a enzima e a sequência PAM, enquanto a F870L atua na formação do complexo enzima-crRNA, gerando uma maior estabilidade, mas não afetando o efeito do corte em si.


Além disso, a sequência PAM tem um papel fundamental para maximizar o efeito de corte das enzimas Cas, na qual cada variante pode apresentar um melhor desempenho para determinada conformação. Dessa forma, para a AsCas12a duplo mutante foi determinado um maior efeito de corte na presença de sequências PAM constituídas por TTTV (sendo que V pode ser adenosina, guanina ou citosina), obtendo melhores resultados que as mutações de forma separada e que a wt. Assim, o duplo mutante foi selecionado como alvo de estudos mais profundos para seu potencial como ferramenta de edição gênica, sendo referido como AsCas12a Ultra (ou apenas Ultra).


Foi testado o potencial de edição da Ultra em células de linhagem, amplamente utilizadas para pesquisa in vitro, começando pela HEK293, onde seu desempenho superou a wt. Além disso, foram utilizadas células Jurkat para se comparar a capacidade de edição da Ultra e SpCas9, conseguindo a primeira um desempenho um pouco inferior. Isso se deve ao fato de uma seletividade realizada na escolha dos gRNA para a Cas9, algo não feito para a Ultra, o que já demonstra um bom potencial desta última pois sem essa otimização do gRNA, algo essencial para melhor êxito do experimento, já quase ultrapassou a eficiência da Cas9 numa célula de linhagem notoriamente conhecida por ser difícil de editar. Esta mesma linhagem foi utilizada para um comparativo de eficiência de HDR, utilizando um DNA de fita simples (ssDNA), entre a wt, SpCas9 e Ultra. Neste contexto, apresentou melhor desempenho que a wt e, em uma média geral, se igualou a Cas9, indicando que a Ultra possui potencial para estratégias de edição visando nocautes e knock-in.


Em seguida, essa nova variante foi avaliada em células primárias: células T, natural-killers (NK), células tronco hematopoiéticas (HSC em inglês) e células tronco de pluripotência induzida (iPSC em inglês). Estas células foram submetidas à eletroporação juntamente com a Cas wt ou ultra na forma de ribonucleoproteínas (RNPs), sendo avaliadas quanto à eficiência de edição após 3-4 dias por meio do sequenciamento de nova geração (NGS). Os alvos nas células foram variados (Fig. 3), apresentando uma alta eficiência de nocaute para o receptor de células T (TCR) em baixas concentrações de RNP. Além disso, essa alta capacidade se manteve nos outros tipos celulares e seus respectivos alvos de importância terapêutica, tendo uma baixa taxa de off-target e maior taxa de on-target quando comparada tanto à wt quanto à SpCas9. Isso garante uma maior segurança de edição, o que é bem recebido no campo da pesquisa, principalmente para desenvolvimento de possíveis terapias.


Figura 3 Esquematização das etapas de edição das células primárias e seus respectivos alvos. Adaptado do artigo base.


Além disso, se comparada a outras variantes da Cas12, como a enCas12a, enCas12a Hifi, RVR e RR, a Ultra foi capaz de manter a alta eficiência de edição genômica. Uma possibilidade seria inserir as mutações da Ultra nestas variantes, o que poderia permitir edição novos sítios alvos, devido aos diferentes requerimentos de sequência PAM, além de possivelmente aprimorar a capacidade das variantes. Foi observada uma maior eficiência de edição para RVR e RR, entretanto para a enCas12a Hifi este feito não foi notado.


Assim, observando esse potencial, foi testada a construção de células duplo nocaute, tanto para o TCR, quanto para o B2M, o que em teoria possibilitaria um aprimoramento na construção de células contendo um receptor quimérico de antígeno (CAR). Isso porque não haveria o TCR endógeno capaz de causar a doença do enxerto contra o hospedeiro, e nem o MHC I, prevenindo uma reação do hospedeiro contra o enxerto. Além disso, verificaram a possibilidade de êxito de um KO/KI duplo, o que proporcionaria uma versatilidade de aplicação ainda maior desta variante. Dessa forma, conseguiram cerca de 40% de expressão do duplo inserto GFP/mCherry no locus do TCR e B2M, respectivamente, algo considerado alto para técnicas de nocaute e knock in in sítio dirigidas.


Assim, os autores avaliaram o potencial de uma célula NK nocaute para o TGFBR2 contra o tumor de ovário SK-OV-3, conseguindo obter uma maior ação citotóxica se comparado ao controle não editado. Dessa forma, foi construída uma célula CAR-NK anti-EGFR, realizando um nocaute do TCR e um knock in do CAR no locus do TCR. Quando testadas contra contra células cancerígenas da próstata EGFR positivas, as células editadas conseguiram uma redução significativa das células tumorais. Dessa forma, é demonstrada mais uma aplicação prática desta nova variante como uma ferramenta.


Portanto, AsCas12a Ultra surge como uma nova ferramenta de edição no sistema CRISPR/Cas, possuindo algumas vantagens em relação à Cas9, como um baixo efeito off-target e menor custo para produção, pontos importantes ao se retratar edição gênica utilizando esse sistema. Além disso, foi demonstrada uma alta capacidade de edição em células notoriamente conhecidas por não responderem bem a esse tipo de manipulação, como as células da linhagem Jurkat e algumas células primárias, principalmente as T e NK. Também ampliou os possíveis sítios alvos, uma vez que o requerimento da sequência PAM é TTTV e não apenas NGG, comumente utilizada para Cas9. Apesar disso, seria interessante uma comparação de eficiência entre as enzimas Ultra e Hifi Cas9, algo não demonstrado pelos autores. Dessa forma, tem-se mais um passo no aprimoramento de uma ferramenta muito importante para alteração gênica, que impacta diversos campos, incluindo o da imunoterapia, ao se permitir, por exemplo, uma alta eficiência de construção de células expressando transgenes terapêuticos, como os CARs.


 

Referências


Texto base

ZHANG, L. et al. AsCas12a ultra nuclease facilitates the rapid generation of therapeutic cell medicines. Nature Communications, v. 12, n. 1, p. 3908, 23 dez. 2021.


Outras referências citadas

ANZALONE, A. V.; KOBLAN, L. W.; LIU, D. R. Genome editing with CRISPR–Cas nucleases, base editors, transposases and prime editors. Nature Biotechnology, v. 38, n. 7, p. 824–844, 2020.

BARRANGOU, R.; HORVATH, P. A decade of discovery: CRISPR functions and applications. Nature Microbiology, v. 2, n. June, p. 1–9, 2017.

CONG, L. et al. Cong, L., Ran, F. A., Cox, D., Lin, S., Barretto, R., Habib, N., … Zhang, F. (2013). Multiplex Genome Engineering Using CRISPR/Cas Systems. Science (New York, N.Y.). Science (New York, N.Y.), v. 339, n. 6121, p. 819–823, 2013.

JINEK, M. et al. A programmable dual-RNA-guided DNA endonuclease in adaptive bacterial immunity. Science, v. 337, n. 6096, p. 816–821, 2012.

KIM, D. et al. Genome-wide analysis reveals specificities of Cpf1 endonucleases in human cells. Nature Biotechnology, v. 34, n. 8, p. 863–868, 2016.

KLEINSTIVER, B. P. et al. Genome-wide specificities of CRISPR-Cas Cpf1 nucleases in human cells. Nature Biotechnology, v. 34, n. 8, p. 869–874, 2016.

MAKAROVA, K. S. et al. Evolutionary classification of CRISPR–Cas systems: a burst of class 2 and derived variants. Nature Reviews Microbiology, v. 18, n. 2, p. 67–83, 2020.

UDDIN, F.; RUDIN, C. M.; SEN, T. CRISPR Gene Therapy: Applications, Limitations, and Implications for the Future. Frontiers in Oncology, v. 10, n. August, 2020.

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