O uso de linfócitos CAR-T trouxe novas esperanças no tratamento de diversos tumores, particularmente aos casos onde antes a recidiva tumoral implicava em um tratamento paliativo. A terapia é particularmente bem-sucedida no tratamento de cânceres hematológicos como a leucemia linfoide aguda (LLA), onde o acesso ao tumor não é limitado. Dito isso, a leucemia mieloide aguda (LMA) ainda é um adversário formidável para diversas abordagens terapêuticas, incluindo as que envolvem o uso de linfócitos T expressando receptores quiméricos de antígenos (CAR-T). Parte das dificuldades relacionadas ao uso de células CAR-T no contexto de LMA é comum ao seu uso em diversos tumores: a existência de moléculas de membrana exclusivas ao tumor.
A eliminação por CRISPR/Cas9 de CD33 em células progenitoras mieloides por exemplo já foi uma abordagem anteriormente testada. Assim, foi possível evitar a eliminação de populações saudáveis por células modificadas para expressar um CAR anti-CD33 durante o combate à LMA CD33 positiva. A pesar de promissora, tal abordagem incorpora um novo eixo de complexidade na terapia, a necessidade modificar geneticamente a medula a ser transplantada no paciente. Em um belo trabalho produzido pelo grupo da Dra. Marcela Maus, foi explorada a alternativa de um CAR anti-CD70 baseado em CD27, em conjunto com azacitidina, no combate da leucemia mieloide aguda.
A escolha da molécula-alvo é inevitavelmente uma etapa crucial no desenvolvimento de terapias baseadas em CARs. Tal escolha reflete não apenas na detecção de células tumorais ou sadias pelo linfócito modificado, como também na possibilidade de o tumor recidivar não expressando o alvo. O CD70 apesar de expresso também em células da linhagem linfoide, é a priori restrito a células dentríticas e linfócitos T e B ativados. Tal restrição a células ativadas torna o CD70 um alvo atraente, por não lesar tão profundamente o sistema imune do paciente.
Em paralelo, a azacitidina, um análogo de citidina, é um quimioterápico aprovado para uso no tratamento de LMA. Essa droga é incorporada em uma pequena taxa no genoma da célula tumoral, e impede que seja realizada a metilação de novo do DNA. Esse efeito acaba levando a um aumento da expressão de CD70 nas LMAs, pois evita que a região promotora de CD70 seja metilada. Quando usadas como uma terapia conjunta, a azacitidina acaba tendo um efeito potencializador na eliminação da LMA por linfócitos modificados com um CAR anti-CD70. O grupo tratado com a terapia conjunta apresenta assim uma melhora na curva de sobrevida.
Figura 1: Efeito hipometilante de azacitidina. O impedimento da metilação do DNA permite o aumento da expressão de certos genes, como CD70 em LMAs.
Além disso, o grupo lida uma particularidade do eixo de interação de CD27 com CD70. Proteases secretadas pelo tumor são capazes de clivar a porção extracelular de CD27, evitando sua sinalização em linfócitos ativados. Tal evento se repetiu no CAR baseado em CD27, e exigiu modificações na porção extracelular do CAR para que a ativação via receptor quimérico não fosse negada.
Figura 2: Modificações no CAR. Alterações na alça do CAR permitiram que ele não seja degradado por proteases secretadas por LMAs.
O paper de Mark Leick e colaboradores nos mostra que, apesar de a células CAR-T servirem como uma boa base tecnológica para o desenvolvimento de novas terapias, cada tipo de tumor exigirá adaptações antes de alcançar a melhor versão possível do tratamento.
Referências
Leick, M. B., Silva, H., Scarfò, I., Larson, R., Choi, B. D., Bouffard, A. A., Gallagher, K., Schmidts, A., Bailey, S. R., Kann, M. C., Jan, M., Wehrli, M., Grauwet, K., Horick, N., Frigault, M. J., Maus, M. V. (2022). Non-cleavable hinge enhances avidity and expansion of CAR-T cells for acute myeloid leukemia. Cancer Cell. Vol. 40, Issue 5, pp. 494-508.
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