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BACTÉRIAS INTRATUMORAIS E ONDE HABITAM


BACTÉRIAS INTRATUMORAIS E ONDE HABITAM: O EFEITO DA MICROBIOTA INTRATUMORAL NA HETEROGENEIDADE CELULAR E ESPACIAL DO CÂNCER


Por Beatriz Monteiro


O microambiente tumoral é constituído por uma complexa rede que inclui células tumorais e não tumorais, as quais podem ter diferentes efeitos, dependendo do tipo e da quantidade de células. Além destes, diversos estudos têm investigado a participação dos microrganismos nesse microambiente, indicando que há uma fina e ajustada relação entre ambos, capaz de afetar não somente o crescimento tumoral, como a resposta ao tratamento (Jiang et al. 2022; Hezaveh et al. 2022).


Na última década, a identidade de cada microrganismo residente tem sido designada como “Microbiota Intratumoral” e as investigações mais recentes revelam uma assinatura única para cada tipo de câncer (Sepich-Poore et al. 2021; Narunsky-Haziza et al. 2022). No entanto, ainda não se sabe muito a respeito da localização precisa desses microrganismos no interior do tumor, ou mesmo se essa localização é um evento aleatório ou direcionado.

Pensando nisso, Galeano Niño e colegas (2022) investigaram a distribuição espacial e o efeito da localização da microbiota dentro de dois tipos de tumores do trato gastrointestinal - Carcinoma de células escamosas oral e o câncer colorretal, para os quais alguns mecanismos promotores de câncer mediados por microrganismos já foram descritos (Ou et al. 2022; Irfan et al. 2020).



Os autores dividiram cada uma das 11 amostras de tumor colorretal humano em 4 partes e, em seguida, realizaram um sequenciamento do rRNA 16S. Essa análise revelou que, em sete amostras, o microbioma era heterogêneo em cada uma das quatro partes analisadas. Para investigar mais profundamente essa heterogeneidade, os autores aplicaram uma técnica chamada RNAscope, que permitiu a visualização da distribuição espacial de bactérias específicas, como Fusobacterium (uma bactéria que se acredita ter um papel promotor de tumor), e de bactérias em geral. Interessantemente, foi visto que, dentro do mesmo tumor, há áreas positivas e outras negativas para a presença de bactérias, levantando o questionamento sobre a relação dessas áreas mais populadas com as distintas funções dentro do microambiente tumoral.


Algumas dessas áreas foram selecionadas e analisadas usando uma técnica de perfil espacial digital chamada GeoMX, que consiste em uma análise de um perfil de distribuição da expressão de determinadas proteínas nos tecidos investigados. Foram quantificadas a expressão de 77 proteínas associadas com imunidade antitumoral e progressão do câncer. Os autores relataram que a presença ou ausência de bactérias está correlacionada com certas características das célulascancerígenas e células imunes. Foi visto que as áreas tumorais que continham bactérias eram, geralmente, mais imunossuprimidas do que as áreas que não continham. Proteínas associadas à imunossupressão, como PD-1 e CTLA4, foram altamente expressas em áreas ricas em bactérias, enquanto marcadores de proliferação celular, como Ki67, tiveram a expressão reduzida, indicando uma resposta imune suprimida. Células imunes, como células mielóides (especificamente, macrófagos e neutrófilos) foram preferencialmente encontradas nessas áreas, mas as células T, que podem ter atividade anticancerígena, eram esparsas. Esses resultados sugerem que a distribuição da microbiota intratumoral não é aleatória, mas sim organizada em micronichos.


A presença de bactérias em macrófagos foi associada ao aumento da expressão de genes que codificam proteínas inflamatórias e de sinalização imunológica, como a CXCL8, que é um potente atrativo de neutrófilos. Para adicionar mais uma camada de informação na investigação, os autores se questionaram sobre como as células hospedeiras interagem com as bactérias e como essas associações afetam a função celular dentro do microambiente tumoral. Como um passo nessa direção, Galeano Niño e colegas desenvolveram um método de sequenciamento de RNA que eles chamaram de INVADEseq, que permite que transcritos humanos sejam sequenciados juntamente com transcritos bacterianos. Apesar de a técnica exigir que os tecidos sejam dissociados em células únicas e, portanto, o contexto espacial da expressão gênica no tecido seja perdido, INVADEseq permite que a identidade das bactérias seja revelada, assim como os perfis transcricionais de células do tumor, com ou sem bactérias. Como resultado, a análise demonstrou que Fusobacterium nucleatum e Treponema estavam predominantemente associados aos grupos de células epiteliais e macrófagos derivados de monócitos. Além disso, foi visto que as bactérias eram mais comuns em células epiteliais tumorais que tinham um número anormal de cromossomos (aneuplóides) do que em células com uma composição cromossômica normal, sugerindo uma provável preferência bacteriana por células cancerígenas sobre células normais. Adicionalmente, uma análise de enriquecimento do conjunto de genes confirmou que as células epiteliais que continham bactérias eram de fato células cancerígenas e apresentavam assinaturas de expressão gênica caracterizadas por uma regulação positiva das vias de sinalização envolvidas na progressão do câncer, inflamação e metástase.



Para avaliar mais de perto as interações entre um membro dominante da microbiota intratumoral e células imunes ou epiteliais, os autores utilizaram uma abordagem de cultivo 3D, chamada de esferóides. Foram co-cultivadas esferóides epiteliais de uma linhagem de carcinoma colorretal juntamente com F. nucleatum isolados desse mesmo tipo de câncer, seguido da incorporação em matrizes de colágeno que continham neutrófilos. Na ausência de F. nucleatum, os neutrófilos migraram livremente dentro dos esferóides, já na presença desse microrganismo, os neutrófilos tiveram a capacidade de migração e deslocamento reduzidas, à medida que formavam aglomerados dentro dos esferóides. Esse aumento da formação de agrupamentos foi acompanhado por níveis significativamente aumentados de genes relacionados à diferenciação celular. Em paralelo, as células epiteliais de carcinoma colorretal, infectadas com F. nucleatum, se destacaram da massa de esferóides e migraram isoladamente para o gel de colágeno, algumas destas contendo bactérias intracelulares. Os autores observaram que as células cancerígenas que continham bactérias não somente possuíam uma maior taxa de invasão em matrizes de colágeno, mas também alterados padrões de motilidade celular.


O trabalho de Galeano Niño e colegas (2022) revela que a fina relação entre microbiota intratumoral e desenvolvimento do câncer atinge camadas mais profundas ao demonstrar a existência de micronichos bacterianos que direcionam as respostas imunes e as funções de células epiteliais promovendo a progressão do câncer.



 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




Livyatan I, Straussman R. A spatial perspective on bacteria in tumours. Nature. 2022 Nov;611(7937):674-675. doi: 10.1038/d41586-022-03669-6. PMID: 36385283.

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