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Rumo à terapia CAR-T “off-the-shelf”: Como impedir a eliminação de linfócitos alogênicos?

Por Karina Hajdu -


Um trabalho publicado na Nature Biotechnology em julho deste ano aborda uma nova estratégia para a produção de células CAR-T alogênicas, isto é, produzidas a partir de linfócitos de doadores saudáveis para serem posteriormente reinseridas em outro indivíduo. Esta abordagem possui diversas vantagens potenciais, como o desenvolvimento de um produto terapêutico com qualidade padronizada e uma diminuição do custo do tratamento.



Já falamos bastante aqui no blog sobre a imunoterapia com células CAR (chimeric antigen receptor)-T, que é uma das nossas linhas de pesquisa no MartinLab. Resumidamente, esta vertente de imunoterapia consiste na modificação genética de linfócitos T para direcioná-los a eliminar células tumorais (ou outras células alvo, como também comentamos recentemente). Atualmente, a terapia CAR-T é feita majoritariamente com células autólogas, isto é, retiradas do próprio paciente no qual serão reinseridas. Os motivos para isso são os mesmos por trás de um transplante de órgãos: grande parte das células humanas, incluindo linfócitos T, expressa moléculas do MHC (major histocompatibility complex) de classe I, denominado HLA (human leukocyte antigen) em humanos. O HLA é um complexo gênico altamente polimórfico, o que faz com que os alelos de HLA variem muito de um indivíduo para outro. Como durante sua ontogenia os linfócitos são condicionados a reconhecer peptidios ligados ao MHC, o repertório linfocitário maduro é tolerante aos alelos de MHC próprios, mas reconhece células não-próprias que expressem outros alelos MHC como corpos estranhos a serem atacados. Este é o principal mecanismo por trás da rejeição de transplantes e da doença do enxerto contra o hospedeiro (quando células do doador passam a atacar o organismo recipiente), sendo o maior limitante na produção de linfócitos CAR-T alogênicos.


Existem muitos esforços para produzir células CAR-T alogênicas atualmente, inclusive com protocolos complexos que podem envolver células tronco de pluripotencia induzida, já discutidos aqui no blog. Este interesse se justifica por várias vantagens em potencial, mas especialmente pelo fato de que as terapias CAR-T disponíveis podem custar até cerca de 500 mil dólares por paciente, o que limita sua ampla utilização. Estudos clínicos no momento estão avaliando células CAR-T nas quais o TCR ( T cell receptor) é desligado com o objetivo de impedir a doença do enxerto contra o hospedeiro. No entanto, esta modificação não resolve o fato de que as células CAR-T também poderão ser reconhecidas pelo recipiente e eliminadas, limitando sua persistência e eficácia.


Tendo isto em vista, Mo e colaboradores desenharam um novo tipo de receptor, o ADR (allogeneic defense receptor). Esta ideia tem como princípio o aumento transiente da expressão de 4-1BB em linfócitos T e células NK recém ativadas. O ADR contém uma porção extracelular baseada no ligante de 4-1BB, o 4-1BBL, e uma cauda CD3 zeta citoplasmática que gera a ativação do linfócito. Assim, quando um linfócito CAR-ADR fosse reconhecido por células T ou NK do recipiente e as ativasse, o ADR iria reconhecer o 4-1BB em sua superfície, levando à eliminação destas células aloreativas.


Para testar esta abordagem, os autores utilizaram um modelo in vitro no qual linfócitos modificados com o ADR eram co-cultivados com células mononucleares de sangue periférico de doadores com alelos de HLA diferentes. Eles mostraram que enquanto linfócitos controle eram eliminados da cultura após alguns dias, os linfócitos expressando o ADR eram capazes de persistir e eliminar células aloreativas do outro indivíduo. Também foi mostrado que o ADR tinha ação específica contra células 4-1BB positivas, de forma que as células do outro indivíduo que não eram ativadas permaneciam na cultura.


Em seguida, Mo e colaboradores utilizaram modelos in vivo com camundongos NSG enxertados com a linhagem de leucemia Nalm-6 CD19+. Os camundongos foram enxertados com células recipientes e, após 2 dias, receberam o tratamento com células CAR anti CD19 + ADR, apenas CAR anti CD19, apenas ADR ou linfócitos controle não transduzidos. Todos estes linfócitos injetados como tratamento tiveram o TCR nocauteado e possuíam HLA diferente das células recipientes. Os autores mostraram que as células CAR-ADR foram capazes de eliminar o tumor e persistir in vivo durante longos períodos, aumentando a sobrevida dos camundongos.


Por último, os autores discutem sobre a possibilidade de fratrícidio – no caso, a eliminação de linfócitos CAR-ADR pelo reconhecimento de 4-1BB na superfície de outros linfócitos CAR-ADR ativados. Eles mostram que aparentemente há uma redução da expressão ou disponibilidade de 4-1BB na superfície das células CAR-ADR, o que pode ser resultado de um ‘mascaramento’ da molécula pela ligação em cis com o próprio ADR da mesma célula. Usando um ADR sem a cauda CD3 zeta intracelular, eles mostram que de fato a expressão do ADR protege células-alvo da eliminação mediada pelos linfócitos CAR-ADR, corroborando esta hipótese.


Resumo do racional e resultados observados no trabalho de Mo et al, Nature Biotechnology 2020. Fonte: acir.org.


Em vias gerais, esta abordagem é uma possibilidade interessante para aumentar a persistência de células CAR-T alogênicas, porém alguns pontos não foram abordados no trabalho. Por exemplo, seria interessante avaliar o fenótipo de memória e exaustão dos linfócitos CAR-ADR após a expansão in vivo e fortalecer a teoria do mascaramento de 4-1BB pelo ADR em cis com mais experimentos, já que outras possibilidades poderiam levar à menor expressão de 4-1BB por estas células, como a eliminação da subpopulação com níveis mais altos da molécula. Nos resta aguardar os desdobramentos desta nova estratégia nos próximos anos.



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