- Por Karina Hajdu -
Os cientistas já sabem desde a década de 60 que células senescentes são caracterizadas por uma parada estável do ciclo celular, controlada majoritariamente pelas vias de Rb (proteína retinoblastoma) e p53. Este processo homeostático pode ser ativado por muitas formas de estresse celular (Figura 1) e atua como um importante mecanismo supressor de tumor, impedindo a proliferação de células pré-malignas. Atualmente, sabe-se também que as células senescentes adquirem um programa secretório denominado SASP (Senescence- Associated Secretory Phenotype) e passam a secretar citocinas, fatores de crescimento, proteases e componentes de matriz extracelular.
Figura 1: Diversas fontes de estresse celular podem levar à senescencia, como a ativação de oncogenes, disfunções teloméricas, estresse oxidativo, entre outras.
A senescência per se é um programa fisiológico importante para a homeostase tecidual. O problema acontece quando há o acúmulo de células senescentes nos tecidos, que associado ao SASP, pode levar à formação de um ambiente inflamatório e contribuir para diversas patologias crônicas como osteoartrite, fibrose pulmonar, diabetes e, paradoxalmente, para a progressão tumoral. A natureza deste processo antagônico foi revisada por Campisi & Fagagna em um clássico trabalho de 2007, no qual é discutida a hipótese evolutiva do antagonismo pleiotrópico – a ideia de que processos biológicos benéficos para o fitness de indivíduos jovens podem ser deletérios para aqueles mais velhos – um conceito essencial na teoria do envelhecimento.
Nos últimos anos, tem havido um interesse crescente no desenvolvimento de terapias ‘senolíticas’, isto é, que alvejam as células senescentes. Embora algumas moléculas com atividade senolítica já tenham sido desenvolvidas, os efeitos adversos são muitas vezes limitantes. A ideia de utilizar uma célula citotóxica para matar seletivamente células senescentes era muito atraente, porém até recentemente não havia ainda um marcador biológico comum que pudesse separar estas células do restante. Lembrando que este racional da célula citotóxica já é utilizado na clínica há alguns anos, na forma da imunoterapia CAR-T, na qual linfócitos T do próprio paciente são modificados geneticamente para combater células tumorais. Até o presente, esta modalidade terapeutica tem sido bem-sucedida para malignidades de células B, nas quais é possível utilizar como alvo o antígeno CD19, e está em estágios avançados de desenvolvimento para tumores sólidos.
No mês passado, o grupo de pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Center coordenado pelos Drs. Michel Sadelain e Scott Lowe, conseguiu desenvolver pela primeira vez células CAR-T senolíticas (Figura 2). O trabalho, publicado na Nature, tem como ponto principal a definição de um antígeno específico de células senescentes – o receptor do ativador de plasminogênio tipo uroquinase (uPAR). O grupo mostra que esta molécula é altamente expressa em células senescentes tanto nos modelos murinos utilizados quanto em tecidos humanos de fibrose hepática e placas arteroscleróticas, mas quase ausente em tecidos normais. Esta especificidade é crucial para evitar que os linfócitos T ataquem células saudáveis.
Figura 2: O racional por trás do desenvolvimento das células CAR-T senolíticas. O acúmulo aberrante de células senescentes nos tecidos pode contribuir para diversas doenças. Um linfócito citotóxico que elimine especificamente estas células poderia ser usado para combater estas patologias. Fonte.
O próximo passo foi desenhar um receptor quimérico anti- uPAR com o domínio coestimulatório CD28 e a cadeia zeta do complexo CD3 e testá-lo em diferentes modelos de senescência in vitro e in vivo. O trabalho é construído em torno de 3 modelos principais: Senescência induzida por terapia (TIS - therapy-induced senescence), no qual os autores tratam células tumorais com inibidores de CDK4/6, levando à ativação de Rb; senescência induzida por oncogene (OIS - oncogene-induced senescence), induzida pela expressão da forma mutante de NRAS (NRASG12V) e senescência replicativa (RIS - replication-induced senescence). Além disso, Amor e colaboradores também utilizam os linfócitos CAR uPAR-28z para tratar modelos de fibrose hepática induzida por tetracloreto de carbono (CCl4) e pela esteato-hepatite não alcóolica (NASH - non-alcoholic steatohepatitis), uma condição relacionada ao acúmulo de gordura no fígado com incidência crescente nos últimos anos. No caso desta última, os autores explicam que a relação entre a NASH e a senescência celular ainda não está clara, mas apesar disso o tratamento com as células CAR-T se mostrou eficiente para diminuir os focos fibróticos e melhorar a função hepática.
É interessante notar também que muitas das dificuldades inerentes ao desenvolvimento de CARs oncológicos eficazes, como a produção de memória imunológica de longo prazo, persistência das células modificadas por longos períodos de tempo in vivo e aquisição de fenótipo de exaustão são todas questões a serem abordadas de forma diferente para o CAR senolítico, dado que seu alvo são células não proliferantes. Os resultados do estudo são extremamente promissores e têm dado o que falar. Este interesse é justificado por ser um trabalho que abre muitas novas possibilidades: um CAR senolítico pode ser utilizado no futuro para o tratamento de múltiplas doenças, além de poder ser combinado com quimioterapia indutora de senescência no tratamento oncológico. Claro, ainda há um longo caminho pela frente até a clínica, porém este é um belo exemplo de um trabalho “proof of principle”, que busca provar a viabilidade de uma nova ideia.
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