- Por Mariana Viegas -
Há várias estratégias que são utilizadas para aumentar a imunidade contra as células tumorais e representam uma mudança no paradigma do tratamento do câncer. Uma abordagem que vem crescendo atualmente é a utilização de linfócitos T modificados para expressar Receptores Quiméricos de Antígeno (CARs). As células modificadas para expressar o CAR podem reconhecer diretamente o antígeno e, em seguida, desencadeiam a ativação da célula efetora, proliferação, secreção de citocinas e citotoxicidade contra células tumorais-alvo que expressam o antígeno específico do CAR [1]. Mesmo nas terapias baseadas em CAR apresentando bons resultados e taxas de resposta completas, as recidivas ocorrem em uma fração considerável dos pacientes [2].
Estudos recentes mostraram que alguns dos pacientes recidivados apresentam perda ou diminuição de expressão do antígeno alvo [2-5]. Uma possível explicação para pacientes com tumores antígeno negativo seria a imunoedição, que consiste em uma pressão seletiva do sistema imune sobre o tumor, moldando seu perfil antigênico. Esse processo tem três fases clássicas, como definido por Dunn e Schreiber [6]: eliminação, equilíbrio e fuga, podendo levar à perda completa e permanente do antígeno alvo.
Recentemente, Hamieh e colaboradores descreveram o fenômeno da trogocitose como mecanismo de escape por parte de células leucêmicas sob pressão seletiva de células CAR-T anti CD19 [2]. A trogocitose consiste em um mecanismo de transferência transiente de proteínas de uma célula para outra, no qual pequenos fragmentos de membrana são transferidos entre as células doadora e a células receptora, mediante a formação de uma sinapse imunológica.
No artigo, os autores utilizam um modelo de recidiva, injetando Nalm-6, uma linhagem de leucemia linfoide aguda (LLA) humana CD19+, em camundongos imunodeficientes NSG e tratando os animais com doses limitantes da imunoterapia com células CAR-T anti-CD19 para verificar o escape tumoral. Os CARs usados no artigo consistem em um domínio extracelular baseado na região variável de imunoglobulina (scFv), tendo como alvos as proteínas CD19 ou CD22, um domínio coestimulatório intracelular baseado em CD28 ou 4-1BB e um domínio de sinalização intracelular baseado na cadeia ζ do complexo CD3.
Usando esse modelo de recidiva e ensaios in vitro, os autores demonstram que as células tumorais que não são eliminadas pelas células T são suscetíveis à trogocitose, levando a uma queda na densidade do antígeno alvo do CAR. Também demonstram que esse fenômeno diminui a atividade de células T ao adquirir a proteína CD19, levando-as ao fratricídio, exaustão e morte. Além disso, parece que, conforme a densidade do antígeno alvo diminui nas células tumorais, existe uma cooperatividade entre as células T 19-28ζ. Esses acontecimentos podem ter várias consequências, dependendo da construção do CAR, da densidade do antígeno e da relação da célula efetora:alvo.
A compreensão desses mecanismos dinâmicos de interação, como a trogocitose que pode levar a diferentes perfis de expressão antigênica e a cooperatividade entre as células T de acordo com a densidade do antígeno alvo, permitem otimizar a dose de células CAR-T administradas no paciente e explorar estratégias de direcionamento combinatório. No artigo, os autores testam o direcionamento combinatório usando dois CARs por tratamento e demonstram que essa combinação diminui o escape de tumores com baixa expressão basal do antígeno, desde que os domínios co-estimulatórios do CAR sejam adaptados à densidade do antígeno alvo, aumentando as respostas do tumor à imunoterapia.
Referências:
[1] Sadelain, Michel, Isabelle Rivière, and Stanley Riddell. "Therapeutic T cell engineering." Nature 545.7655 (2017): 423-431.
[2] Hamieh, Mohamad, et al. "CAR T cell trogocytosis and cooperative killing regulate tumour antigen escape." Nature 568.7750 (2019): 112-116.
[3] Majzner, Robbie G., and Crystal L. Mackall. "Tumor antigen escape from CAR T-cell therapy." Cancer discovery 8.10 (2018): 1219-1226.
[4] Orlando, Elena J., et al. "Genetic mechanisms of target antigen loss in CAR19 therapy of acute lymphoblastic leukemia." Nature medicine 24.10 (2018): 1504-1506.
[5] Brudno, Jennifer N., et al. "T cells genetically modified to express an anti–B-cell maturation antigen chimeric antigen receptor cause remissions of poor-prognosis relapsed multiple myeloma." Journal of Clinical Oncology 36.22 (2018): 2267.
[6] Dunn, Gavin P., Lloyd J. Old, and Robert D. Schreiber. "The three Es of cancer immunoediting." Annu. Rev. Immunol. 22 (2004): 329-360.
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