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Redes extracelulares de neutrófilos formadas durante a quimioterapia conferem resistência ao tratamento via ativação de TGF beta.

   Artigo: Redes extracelulares de neutrófilos formadas durante a quimioterapia conferem resistência ao tratamento via ativação de TGF beta.


    O artigo foi publicado na revista Cancer Cell por Mousset et al em 10 de abril de 2023. As filiações dos primeiros autores são: University Côte d'Azur, Instituto de Pesquisa sobre Câncer e Envelhecimento, Nice (IRCAN), Nice, França; Laboratório Cold Spring Harbor, EUA e; Departamento de Oncologia, Hospital Universitário de Odense - Dinamarca.


    Este artigo mostra que o tratamento de quimioterapia de pacientes com câncer de mama promove a formação de redes extracelulares de neutrófilos (NETs), que por sua vez reduz a eficácia terapêutica contra metástase pulmonar. As NETs induzem transição epitélio mesênquima (EMT) dependente de TGF-β (fator de crescimento tumoral beta) nas células de câncer. A intervenção proposta seria ter as NETs como alvo de drogas farmacológicas, e assim melhorar a eficácia da quimioterapia. Continue lendo o texto para uma descrição mais detalhada dos achados deste artigo.


Contexto: Câncer de mama, quimioterapia, neutrófilos, NETs e metástase.


    O câncer de mama é o câncer que mais mata mulheres no Brasil, e a metástase é responsável pela maioria das mortes relacionadas à doença. Dentre as opções de tratamento disponíveis temos o tratamento local que consiste em cirurgia e radioterapia, e o tratamento sistêmico que consiste em quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica. Pacientes com tumores maiores, a partir do grau de estadiamento III, são encaminhadas para o tratamento sistêmico majoritariamente sendo a quimioterapia a modalidade inicial. (Cortazar et al., 2014)


    A quimioterapia é um tipo de tratamento contra o câncer que utiliza compostos químicos (drogas) para matar as células tumorais, podendo ser administrada de forma neoadjuvante (antes da cirurgia ou tratamento radioterápico) ou de forma adjuvante, ou seja, para eliminar as células de câncer que permanecem após a cirurgia ou radioterapia.  A quimioterapia neoadjuvante tem o objetivo de reduzir o tamanho do câncer antes da cirurgia de retirada, e a adjuvante prevê reduzir o risco de o câncer retornar. Existem vários tipos de quimioterápicos utilizados no tratamento do câncer de mama, sendo geralmente disponibilizado a combinação de duas ou três drogas. Alguns exemplos são: paclitaxel, docetaxel, epirrubicina, carboplatina, doxorrubicina e ciclofosfamida (AC), docetaxel e ciclofosfamida (TC)


    A maioria das pacientes de câncer de mama que apresentam metástases são tratadas com quimioterapia e,  na maioria dos casos, a resistência à terapia antineoplásica se desenvolve. O tratamento quimioterápico está interligado à inflamação, e a perduração desta por sua vez pode se correlacionar com a progressão do câncer. Sabe-se que o microambiente tumoral (TME) é capaz de gerar quimiorresistência, entretanto, o mecanismo exato, pelo qual a inflamação é induzida pela quimioterapia é desconhecido.


Imagem 1: Neutrófilo. Autoria própria, gerada no Biorender.


   Neutrófilos são células da imunidade inata que constituem a maior porcentagem de leucócitos circulantes no sangue humano, tendo um papel reconhecido na progressão do câncer. Sua atuação no favorecimento da quimioresistência precisa ser elucidado. Essas células granulocíticas de linhagem mielóide, tem um ciclo de vida curto (6 - 12h) e atuam no patrulhamento da homeostase do hospedeiro, evitando que microrganismos patogênicos proliferem. Elas atuam, principalmente, através do mecanismo de fagocitose, degranulação de enzimas citotóxicas e proteases no espaço extracelular, e formação de armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs), mecanismo pelo qual a célula expele seus ácidos nucleicos conjuntamente com resquícios membranares e proteínas contidas em seus grânulos numa conformação viscosa formando uma espécie de “armadilha” em formato de teia de aranha, e com isso, sendo capaz de imobilizar microrganismos maiores. Na imagem abaixo é possível visualizar a estrutura destas “armadilhas” através da técnica de imunofluorescência utilizada pelos autores do artigo:


    Dentre os principais componentes das NETs estão as enzimas elastase e mieloperoxidase e proteinase 3, as proteínas catepsina G e HMGB1, o peptídeo LL37 (catelicidina derivada de humano), a metaloproteinase 9 (MMP9), e as histonas (proteínas de ligação ao DNA) citrulinadas. As enzimas da família peptidil arginina deaminases (PADs) possuem um papel importante na extrusão das NETs, pois catalisam a conversão de resíduos de arginina e metilarginina ligados a proteínas com carga positiva no aminoácido citrulina não padronizado e não carregado; afrouxando assim a cromatina que quando descondensada irá expor as histonas no meio extracelular. Essa modificação pós-traducional é denominada citrulinação. A PAD4 é responsável especificamente pela desintegração das membranas nucleares durante o processo de NETose. As histonas (proteínas altamente alcalinas) são capazes de matar microrganismos de forma mais potente do que antimicrobianos canônicos. Sua toxicidade quando desempacotadas da cromatina pode danificar células endoteliais além de atuar como DAMPs (conjunto de moléculas sinalizadoras de dano) (Chaput, C., Zychlinsky, A; 2009).


Neutrófilos são as primeiras células recrutadas para os sítios inflamatórios infecciosos e inflamatórios estéreis, como o câncer. Acumulam-se em muitos tipos de tumores e representam uma porção significativa das células infiltrantes do tumor (Eruslanov et al., 2017; Ilie et al., 2012; Jaillon et al., 2020; Zhao et al., 2020). As células tumorais e o TME podem estimular neutrófilos e induzir a liberação de NETs em vários tipos de câncer, tais como: leucemia (Demers et al., 2012), câncer de mama (Demers et al., 2012; Park et al., 2006), câncer de ovário (Lee et al., 2019), câncer de cólon (Rayes et al., 2019),  adenocarcinoma de esôfago (Rayes et al., 2019) e câncer de pulmão (Demers et al., 2012; Rayes et al., 2019). A formação de NETs pode ser em parte atribuída ao ambiente de hipóxia em que os tumores sólidos em crescimento são gerados, concomitantemente com a maior expressão de HIF-1α (fator 1-alfa induzível por hipóxia) (Leal et al., 2017). 


As NETs podem exercer atividade antitumoral ou pró-tumoral. Por exemplo, podem ser citotóxicas para células tumorais, inibindo o crescimento tumoral ou, exercer o efeito inverso provendo crescimento, proliferação e metástase (Masucci et al., 2020). Neste contexto, proteinases presentes nas NETs podem degradar a matriz extracelular, promovendo extravasamento de células cancerígenas e metástase. 


Imagem 2: Redes extracelulares de neutrófilo. Autoria própria, gerada no Biorender.

NETs podem aprisionar e servir como substrato de adesão para células cancerígenas promovendo assim a disseminação metastática. Supõe-se que NETs circulantes causem danos aos órgãos em pacientes com câncer, semelhantes aos que ocorrem em doenças autoimunes, além de sua capacidade de capturar células tumorais circulantes (CTCs), poderiam despertar células cancerosas quiescentes (Albrengues et al., 2018 / Masucci  et al., 2020). Sendo assim, estas “armadilhas” são um alvo em potencial para a redução dos efeitos pró-tumorais dos neutrófilos, através da administração de Dnase I (enzima degradadora do DNA) algo testado em ensaios clínicos (Sharma et al., 2015), mas ainda não em câncer (Hawes et al.,  2015).


    Os autores do artigo determinaram que as NETs possuem atividades pró-metastáticas. Neutrófilos são rapidamente recrutados para o tecido danificado e, através da liberação das redes, conversam com células imunes inatas e adaptativas durante a inflamação aguda e crônica. A quimioterapia, quando eficaz, causa danos e morte celular e, consequentemente, a elevada infiltração de neutrófilos está associada a uma resposta deficiente à quimioterapia em vários tipos de câncer. O quimioatraente de neutrófilos, o motivo de ligação 1 da quimiocina  C-X-C (CXCL1), foi especificamente associado à quimiorresistência no cenário metastático. Neste contexto, os autores tiveram como objetivo, compreender o papel dos neutrófilos e NETs na quimiorresistência a fim de identificar novas maneiras de melhorar a eficácia da quimioterapia e a sobrevivência dos pacientes com câncer. Confira o resumo dos resultados:



Resultados:


  • O recrutamento de neutrófilos desencadeado pela quimioterapia reduz a resposta ao tratamento de metástases pulmonares

Objetivo 1: Determinar como a quimioterapia modifica o ambiente pulmonar metastático.

    Para isto, foram utilizados camundongos BALB/c singênicos injetados intravenosamente com células 410.4 (células de câncer de mama murino), deixando-se formar metástases por 7 dias. Em seguida, os camundongos foram tratados com cisplatina ou adriamicina/ciclofosfamida (AC).

Resultado 1: Foi observado por citometria de fluxo, e confirmado por imunofluorescência um aumento do recrutamento de neutrófilos nos pulmões dos animais com metástase.

    Sendo assim, o aumento na infiltração de neutrófilos nos pulmões levantou a hipótese de que o seu recrutamento poderia estar modulando a resposta terapêutica. Para testar isso, os autores depletaram essas células utilizando o anticorpo anti-Ly6G, além de inibirem o receptor 2 de quimiocina com motivo C-X-C (CXCR2) que medeia a quimiotaxia de neutrófilos.

    Estas estratégias de depleção não foram capazes de reduzir significativamente a metástase.


  • NETs promovem quimiorresistência de metástases pulmonares de câncer de mama

Objetivo 2: Determinar como os neutrófilos modulam a resposta à quimioterapia.

    Para isto, os autores projetaram um sistema de co-cultura in vitro onde as células 410.4 cancerígenas foram cultivadas com neutrófilos recém-isolados derivados da medula óssea.

Resultado 2: A co-cultura in vitro reduziu a resposta à quimioterapia, e os neutrófilos formaram NETs (somente no grupo tratado com quimioterapia).


  • A quimioterapia desencadeia a secreção de IL-1b mediada por NLRP3 em células cancerígenas, levando à formação de NET e quimiorresistência

Objetivo 3: Determinar o mecanismo que impulsiona a formação de NET após a quimioterapia.

Resultado 3: Os quimioterápicos não foram capazes de induzir diretamente neutrófilos primários a formar NETs. No entanto, o meio condicionado das células 410.4 tratadas com quimioterapia promoveu a formação de NETs, sugerindo a presença de um fator secretor liberado pelas células de câncer que induziu NETs. 

    Mas que fator seria este? Para identificar os fatores candidatos, eles utilizaram um arranjo de citocinas proteômicas no meio condicionado das células 410.4 tratadas com quimioterapia:


  • NETs ativam a via de sinalização do TGF-b nas células cancerígenas, causando EMT e quimiorresistência

Objetivo 4: Identificar as vias de sinalização que medeiam a quimiorresistência após a formação de NETs.

Resultado 4: Os autores fizeram um sequenciamento de RNA de células 410.4 (células de câncer de mama murinas) estimuladas com meio condicionado de NETs. E observaram que as vias de sinalização que mais aumentaram estavam relacionadas ao TGF-b e a EMT

 Sabendo-se que EMT causa quimiorresistência em vários tipos de câncer, incluindo câncer de mama, e o TGF-b é um importante indutor de EMT (Brabletz, T., et al 2018). Foram feitas análises de qRT-PCR e western blot, onde NETs e TGF-b induziram uma regulação positiva semelhante da maioria dos marcadores mesenquimais analisados ​​nas células cancerígenas. Além disso, NETs induziram fosforilação do membro da família SMAD 2 (SMAD2) nas células de câncer, indicando a ativação da sinalização de TGF-b. Em conclusão, estes resultados indicam que NETs induzem EMT dependente de TGF-β em células cancerígenas, o que se correlaciona com a quimiorresistência.


  • MMP9 associado a NET ativa TGF-b latente, que neutraliza a eficácia da quimioterapia

Objetivo 5: Sabendo-se que MMP9 é capaz de ativar proteoliticamente o TGF-b e está presente na estrutura NET-DNA: Utilizar inibidores contra algumas das principais proteases associadas à NETs —NE, MMP9 e catepsina G — e MPO (que indiretamente pode ativar a ativação de TGF-b).

Resultado 5: Os autores observaram que a inibição de MMP9 inibiu a ativação de TGF-b mediada por NET e quimiorresistência em vitro e que, a inibição da MMP9 também sensibilizou as células cancerígenas à quimioterapia com cisplatina/AC in vivo, como é possível observar na figura abaixo:

    A inibição da MMP9 diminuiu o número de neutrófilos e NETs nos pulmões, mas não bloqueou a capacidade das células cancerígenas tratadas com quimioterapia de promover a formação de NET in vitro. Podemos concluir que a MMP9 associada à NET é capaz de ativar o TGF-b latente secretado pelas células de câncer e, essa ativação induz EMT nas células cancerígenas se correlacionando com a quimiorresistência.


  • ITGavb1 associado à NET captura TGF-b latente

    As integrinas são uma família de receptores αβ heterodiméricos que interagem com diversos ligantes na fisiologia e na doença, desempenhando um papel na proliferação celular, reparo tecidual, inflamação, infecção e angiogênese. Atualmente existem dois modelos propostos de como as integrinas contendo αV podem ativar o TGF-β1 latente; 

  1. O primeiro modelo proposto é induzindo mudança conformacional no complexo latente de TGF-β1 e, portanto, liberando o TGF-β1 ativo 

  2. O segundo modelo é por um mecanismo dependente de protease.

Objetivo 6: Observar se o complexo NET-DNA contribui para a ativação do TGF-b através de diferentes formas.

Resultado 6: O siRNA contra CCDC25 não foi capaz de neutralizar a quimiorresistência mediada por neutrófilos in vitro, então os autores decidiram se concentrar nas integrinas (ITGs), pois partes delas são encontradas nas NETs. Com a hipótese de que o TGF-b latente foi capturado e então processado dentro da estrutura NET-DNA, os autores descobriram que a ITGavb1 e a MMP9 estavam presentes na estrutura NET-DNA. 


    Em seguida, usando NETs incubadas com CM de células cancerígenas tratadas com quimioterapia, eles mostraram que o TGF-b, secretado por estas células, ficou preso dentro da estrutura NET-DNA e esse trapping foi evitado ao direcionar a ITGavb1. Além disso, a inibição de ITGavb1 neutralizou a EMT induzida por NET in vitro. Consequentemente, o direcionamento ao alvo ITGavb1 melhorou a resposta à quimioterapia in vitro e in vivo, reduzindo recrutamento de neutrófilos e formação de NETs.

   Podemos concluir que as NETs atuam como uma estrutura que retém o TGF-b latente derivado de células cancerígenas que, então, pode  ser clivado pela MMP9 associada a NET e liberado como TGF-b ativo promovendo assim a quimiorresistência.


Conclusão

    Este estudo identificou efetores upstream e downstream do papel quimioprotetor das NETs na metástase pulmonar como alvos terapêuticos para melhorar a eficácia da quimioterapia.

  •    Após ler todos estes resultados, que tal testar seus conhecimentos respondendo um quiz

  • Acesse o link e responda: https://fu6sejarzcw.typeform.com/to/lMfDXxVL 

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Referências:


Brabletz, T., Kalluri, R., Nieto, M.A., and Weinberg, R.A. (2018). EMT in cancer. Nat. Rev. Cancer 18, 128–134. https://doi.org/10.1038/nrc. 2017.118. 

Chaput, C., Zychlinsky, A. Sepsis: the dark side of histones. Nat Med 15, 1245–1246 (2009). https://doi.org/10.1038/nm1109-1245 

CORTAZAR, P. et al. Pathological complete response and long-term clinical benefit in breast cancer: the CTNeoBC pooled analysis. Lancet, v. 384, n. 9938, p. 164–172, jul 2014.

Jo, A.; Kim, D.W. Neutrophil Extracellular Traps in Airway Diseases: Pathological Roles and Therapeutic Implications. Int. J. Mol. Sci. 2023, 24, 5034. https://doi.org/10.3390/ijms24055034

Mousset A, Lecorgne E, Bourget I, Lopez P, Jenovai K, Cherfils-Vicini J, Dominici C, Rios G, Girard-Riboulleau C, Liu B, Spector DL, Ehmsen S, Renault S, Hego C, Mechta-Grigoriou F, Bidard FC, Terp MG, Egeblad M, Gaggioli C, Albrengues J. Neutrophil extracellular traps formed during chemotherapy confer treatment resistance via TGF-β activation. Cancer Cell. 2023 Apr 10;41(4):757-775.e10. doi: 10.1016/j.ccell.2023.03.008. PMID: 37037615; PMCID: PMC10228050.

Munger, J.S., and Sheppard, D. (2011). Cross talk among TGF-beta signaling pathways, integrins, and the extracellular matrix. Cold Spring Harb. Perspect. Biol. 3, a005017. https://doi.org/10.1101/cshperspect. a005017.



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