- Por Karina Hajdu -
Um trabalho recente publicado na Cancer Cell realizou um screening de knock-outs com a ferramenta de edição gênica CRISPR-Cas9 em linfócitos T no qual 25 proteínas cinases upreguladas após ativação do TCR (receptor de células T) foram usadas como alvo. O objetivo era encontrar aquela que melhor modulasse (aumentando ou diminuindo, dependendo do caso) 4 fenótipos de interesse em linfócitos: expansão celular, marcadores de células T de memória, dano de DNA e estresse oxidativo. Neste texto, serão discutidas as principais abordagens e resultados deste trabalho.
Figura 1: Resumo gráfico do trabalho de Gurusamy et al.
A imunoterapia celular adotiva consiste na utilização de linfócitos T modificados geneticamente ou não, contra alvos de interesse em tumores ou em outras doenças. No contexto oncológico, este tipo de terapia tem sido cada vez mais aplicado na forma de transferência de linfócitos com TCRs específicos ou células CAR-T, transfectadas com receptores quiméricos. A produção destas ‘drogas biológicas’ apresenta diversos desafios e muitas vezes existe um balanço entre expansão celular e manutenção de um fenótipo de memória mais indiferenciado, perfil mais vantajoso a longo prazo para respostas antitumorais [1] . Assim, um assunto de extremo interesse na área atualmente é entender como alcançar a maior expansão de células possível sem perder características de memória ou gerar estresses celulares como dano genômico e produção de espécies reativas de oxigênio (ROS).
Os rastreamentos com CRISPR-Cas9 permitem fazer o knock-out de múltiplos genes de interesse e avaliar as consequências fenotípicas, a partir de uma biblioteca de RNAs-guia (utilizados para guiar a enzima Cas9 ao local de interesse no genoma). Em um trabalho recente, Gurusamy et al utilizaram esta abordagem para avaliar a modulação de 4 fenótipos em células T: eles buscaram por aumento na expansão celular após 10 dias em cultura; maior expressão de CD62L, uma molécula de adesão comumente usada para delimitar populações de memória central; diminuição da expressão de gamma-H2AX, um marcador clássico de dano de DNA e diminuição dos níveis de ROS. A escolha destes dois últimos fenótipos foi baseada em observações de que células T exaustas e linfócitos infiltrantes em tumores possuem maiores níveis de dano de DNA e ROS quando comparados a linfócitos naive ou do baço, respectivamente.
A partir do screening, os autores encontraram uma cinase que, em média, melhor regulava os 4 fenótipos para a direção desejada: a proteína p38, codificada por Mapk14, uma cinase downstrem de Zap70 na via do TCR (Figura 2). Os autores validaram este achado in vitro utilizando um inibidor farmacológico de p38 (p38i) e confirmaram todas as características vistas no screening. Além disso, a partir de uma análise do metaboloma das células, foi possível ver um aumento dos níveis de glutationa, um antioxidante fisiológico, nas células cultivadas com o inibidor. Uma análise de RNA-seq revelou que linfócitos T submetidos à inibição de p38 durante a expansão apresentam maior expressão de genes relacionados a um fenótipo de memória como Tcf7 e menor expressão de genes típicos do fenótipo efetor diferenciado, como KLRG1 e GzmB.
Figura 2: Vemos o complexo do TCR ao centro e a cinase Zap70, uma proteína chave na ativação de linfócitos T. Uma das cinases fosforiladas por Zap70 é a MAP cinase p38a, codificada pelo gene Mapk14. Rudd, Nat Immunol 2005.
Gurusamy et al. Buscaram avaliar a manutenção da diversidade clonal dos TCRs em células expandidas com ou sem p38i, ou seja, se os diferentes clones de linfócitos T se mantém ou se um menor número tende a ser favorecido. Em um experimento no qual incubaram TILs (linfócitos infiltrantes de tumor) com TCRs sabidamente responsivos a determinados neoantígenos de melanoma, os autores mostram que a incubação com o p38i não leva à perda dos clones responsivos.
Por último, ao utilizar estes linfócitos expandidos com p38i in vivo em camundongos enxertados com melanoma ou com leucemia de células B, as características citadas acima se traduzem em melhora da sobrevida e diminuição da carga tumoral nos animais em relação às células expandidas somente com o veículo, tanto em modelo de imunoterapia com linfócitos TCR-transgênicos quanto em um modelo de CAR anti-CD19, demonstrando o grande potencial da modulação de p38 na terapia adotiva com células T.
Este trabalho é mais uma peça que indica que a modulação das vias de ativação promovidas pelo TCR pode gerar fenótipos celulares em linfócitos T que permitam melhores respostas antitumorais.
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