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  • Fernando Frajacomo

Exercício pode modular o fitness imunológico contra tumores

Atualizado: 4 de dez. de 2020

- Por Dr. Fernando Frajacomo -


Não é novidade em 2020 que o exercício tem um efeito antagônico ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer. Esse fato é sustentado por um convincente volume de evidências epidemiológicas e clínicas associando indivíduos mais ativos a redução de 12-20% do risco de desenvolver até 7 tipos de tumores, comparados aos seus pares sedentários (Schmitz et al., 2019). Algum exercício é melhor que nenhum para reduzir risco de mortalidade por câncer e outras doenças crônicas (O´Donovam et al., 2017). Contudo, um crescente volume de evidências sugere um efeito dose-resposta entre o nível de atividade física e seu poder antitumoral.


A partir de 2010 com a publicação do 1° guideline de exercício e câncer pelo Colégio Americano de Medicina Esportiva (Schmitz 2010), cresceram os esforços em se entender como o exercício pode desencadear efeitos diretos antitumorais. Essencialmente, essas descobertas redirecionaram os estudos do exercício em oncologia para um cenário mais terapêutico (Ashcraft et al., 2017).


Já é bem conhecido pelos leitores do blog MartinLab que a evasão e exaustão do sistema imune formam um dos hallmarks do câncer. Pesquisas preliminares suportam que o exercício pode antagonizar esse efeito por meio de dois mecanismos complementares: 1) de forma aguda, com o aumento de atividade citotóxica de células NK e linfócitos T; 2) de forma crônica, ao favorecer a mobilização de neutrófilos para corrente sanguínea (Hojman et al., 2018). Faltava uma explicação fisiológica de como o exercício se conecta com sistema imune. Nesse contexto, um link entre músculo esquelético como órgão endócrino, metabolismo energético e sistema imune ganhou força. Vários aspectos do sistema imune são sensíveis às mudanças do metabolismo energético causado pelo exercício. Contudo, pouco se sabe se mudanças na oferta energética poderiam potencializar uma atividade citotóxica do sistema imune, especialmente contra tumores.


Para elucidar a questão de como o exercício ajuda o sistema imune em sua atividade antitumoral, um grupo de pesquisadores sediados no Instituto Karolinska na Suécia publicou um estudo surpreendente em outubro (Rundqvist et al., 2020). Os autores colocaram camundongos em diversos modelos de corrida e os desafiaram com a inoculação de células tumorais. Por uma sequencia de experimentos bem desenhados, os autores encontram um mecanismo de conexão entre o exercício, metabolismo energético e atividade imune.


i) Camundongos ativos conseguiram modular o infiltrado linfocitário de células T-CD8+ no microambiente tumoral (sem alteração em CD4+ ou NK), evento que foi associado ao menor desenvolvimento tumoral. Além disso, o tratamento com anticorpos depletores de linfócitos CD8+ neutralizavam os efeitos benéficos nos animais corredores.


ii) Para se entender como o metabolismo energético alterado pelo exercício poderia modular esse efeito, os autores realizaram um ensaio de metabolômica logo após uma sessão de exercício exaustiva em camundongos e humanos saudáveis. Ambos aumentaram de forma significativa produtos do metabolismo do ciclo de Krebs e, de forma mais expressiva, os níveis de lactato. Os autores então replicaram esse meio in vitro com pH neutro. O perfil dos linfócitos T-CD8+ se mostrou tolerante a altas doses dos metabólitos com uma menor expressão de CD62L. Perfil este associado a maior mobilização linfocitária.


iii) Esse fenômeno associado a maior mobilização linfocitária é persistente? Para responder esse questionamento, animais carreadores foram expostos a 6 semanas de exercício e, posteriormente, seus linfócitos T-CD8+ transferidos a animais não treinados. De forma surpreendente, os animais receptores mimetizaram a resposta anti-tumoral dos animais exercitados, sugerindo um efeito persistente do exercício.


iv) Por fim, qual o papel do lactato nessa conexão entre musculo esquelético e sistema imune? Para lembrar, o lactato foi o metabólito mais abundante após sessão exaustiva de exercício. In vitro, animais receberam doses diárias de L-lactato e desafiados com células tumorais. O lactato reduziu o crescimento tumoral ao mesmo tempo que elevou o infiltrado linfocitário de células T-CD4+, T-CD8+ e CD3, mas não de NK, no microambiente tumoral. Novamente, os autores destacaram o papel dos linfócitos T CD8+ nessa inibição tumoral ao observar que a depleção das células CD8+ neutralizava esse efeito supressor.


Figura explicativa adaptada do texto original (Rundqvist et al., 2020). Animais em exercício ativam metabolismo energético para manutenção da contração muscular. Os metabólitos da contração e o lactato são exportados para a corrente sanguínea, chegando aos tecidos linfoides. Esses produtos do metabolismo atuam como substratos energéticos aos linfócitos T CD8+ que atingem um perfil mais ativo e passam a exercer um papel de vigilância e de citotoxicidade contra tumores. Além disso, o efeito do exercício se mostrou persistente ao permitir que linfócitos T CD8+ transferidos de animais ativos para animais sedentários mantivessem seu potencial antitumoral.


Um destaque se faz ao lactato. Tecidos tumorais com alta taxa replicativa e rede vascular anormal exportam lactato resultando em acidose crônica. Este fenômeno está associado à inibição da atividade imune de células T-CD8+ e NK (Brand et al., 2016). Entretanto, o lactato liberado pela contração muscular tende a ser neutralizado rapidamente evitando um ambiente de acidose. Não está claro qual o limite de lactato suportado pelo microambiente tumoral para permitir uma esperada ação citotóxica do sistema imune.


Esses achados reforçam uma teoria de que o exercício favorece um estado de imunovigilância em patrulhar tecidos a distância com destacado efeito antitumoral dos linfócitos T CD8+. O presente estudo estabelece uma fina conexão entre os produtos do metabolismo energético muscular e os tecidos linfóides. No entanto, exercício tem um efeito pleiotrópico e outros eventos antitumorais não podem ser descartados. Além disso, uma regra na literatura do exercício oncológico é que o modelo “one-size-fits-all” não se aplica. Intensidade, frequência, duração e modalidade do exercício podem modular diretamente suas respostas incluindo a adaptação do sistema imune.


 

Referências


1. Ashcraft, K.A., Peace, R.M., Betof, A.S., Dewhirst, M.W., andJones, L.W. (2016). Efficacy and Mechanisms of Aerobic Exercise on Cancer Initiation, Progression, and Metastasis: A Critical Systematic Review of In Vivo Preclinical Data. Cancer Res 76: 4032-50. doi: 10.1158/0008-5472.can-16-0887


2. Brand, A., Singer, K., Koehl, G.E., Kolitzus, M., Schoenhammer, G., Thiel, A., et al (2016). LDHA-Associated Lactic Acid Production Blunts Tumor Immunosurveillance by T and NK Cells. Cell Metab 24: 657-671. doi: 10.1016/j.cmet.2016.08.011


3. Hojman, P., Gehl, J., Christensen, J.F., andPedersen, B.K. (2018). Molecular Mechanisms Linking Exercise to Cancer Prevention and Treatment. Cell Metab 27: 10-21. doi: 10.1016/j.cmet.2017.09.015


4. O'Donovan, G., Lee, I.M., Hamer, M., andStamatakis, E. (2017). Association of "Weekend Warrior" and Other Leisure Time Physical Activity Patterns With Risks for All-Cause, Cardiovascular Disease, and Cancer Mortality. JAMA Intern Med 177: 335-342. doi: 10.1001/jamainternmed.2016.8014


5. Rundqvist, H., Veliça, P., Barbieri, L., Gameiro, P.A., Bargiela, D., Gojkovic, M.,et al (2020). Cytotoxic T-cells mediate exercise-induced reductions in tumor growth. Elife 9. doi: 10.7554/eLife.59996


6. Schmitz, K.H., Campbell, A.M., Stuiver, M.M., Pinto, B.M., Schwartz, A.L., Morris, G.S., et al (2019). Exercise is medicine in oncology: Engaging clinicians to help patients move through cancer. CA Cancer J Clin 69: 468-484. doi: 10.3322/caac.21579


7. Schmitz, K.H., Courneya, K.S., Matthews, C., Demark-Wahnefried, W., Galvao, D.A., Pinto, B.M., et al (2010). American College of Sports Medicine roundtable on exercise guidelines for cancer survivors. Med Sci Sports Exerc 42: 1409-26. doi: 10.1249/MSS.0b013e3181e0c112

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