- Por Luiza Abdo -
A terapia com células CAR-T foi um marco do tratamento de câncer. Tanto pela sua taxa de resposta de pacientes recidivados quanto pela sua metodologia: terapia que modifica o DNA da célula. Apesar de promissora, o valor dessa terapia é algo que sempre chama a atenção, podendo chegar a 1 milhão de dólares por pacientes. Vários aspectos justificam esse valor, dentre eles, o fato dessa terapia ser personalizada, o uso de vetores virais, estratégia logística para transporte das células do paciente para laboratórios especializados e necessidade de acompanhamento médico do paciente devido aos possíveis efeitos colaterais. Nesse texto, vamos abordar esse último aspecto, discutir uma alternativa para minimizar os possíveis efeitos indesejados.
O efeito pós tratamento mais comum é a síndrome de liberação de citocinas (CRS, do inglês cytokine release syndrome) que é uma condição inflamatória sistêmica. As células CAR-T no paciente têm o potencial de reconhecer as células tumorais e eliminá-las. Esse processo pode levar a uma ativação exacerbada das células CAR-T que, consequentemente, começam a liberar citocinas. As citocinas são responsáveis por modular o tipo de resposta imunológica e isso leva a uma cascata de ativação de outras células do sistema imune. No caso dessa terapia, as principais citocinas liberadas por células CAR-T ativadas são IFN-g e TNF-a, que têm capacidade ativar macrófagos e células endoteliais que, quando ativadas, liberam citocinas como IL-6 e IL-1. Estas citocinas, por sua vez, tem capacidade de ativar células T – formando um loop de ativação[1].
A intervenção usual feita em pacientes com CRS é o uso de corticoides ou tocilizumabe. Os corticoides causam imunossupressão, podendo potencialmente interferir na ação das células CAR-T durante o tratamento. Já o tocilizumabe é um anticorpo monoclonal que reconhece o receptor da citocina IL-6. Apesar de ter como alvo apenas a sinalização a partir de molécula de IL-6, essa droga é capaz de reverter de forma eficaz a CRS. O artigo que discutiremos nesse texto, aborda uma estratégia que pode evitar o surgimento da CRS e, consequentemente, levar à diminuição do custo e efeitos colaterais da terapia com células CAR-T. Tan, A. H. J e colaboradores (2020)[2] desenharam um vetor que contém a molécula CAR seguida de um anticorpo específico para a IL-6 a ser expresso na membrana (mbaIL-6, do inglês membrane bound anti IL-6). O mbaIL-6 é capaz de se ligar às moléculas de IL-6, neutralizando-as. Assim, diminuindo a quantidade de moléculas de IL-6 disponíveis, esse sistema pode evitar o surgimento de CRS, amenizando o efeito colateral mais comum do tratamento com células CAR-T.
Em primeiro lugar, os pesquisadores avaliaram a capacidade de expressão do mabIL-6 na linhagem celular Jurkat e nas células T do sangue periférico, além da capacidade de neutralização da citocina IL-6 disponível no meio de cultura em experimentos in vitro. Comprovou-se a capacidade de uma ligação estável entre o anticorpo de membrana e a citocina. Além disso, foi verificado que, ao decorrer da proliferação das células expressando o mabIL-6, as células filhas também são capazes de neutralizar IL-6, demonstrando a perpetuação dessa função. Esse trabalho também mostrou que a adição do transgene mabIL-6 seja sozinho ou em conjunto com o CAR não altera a proporção de marcadores de memória e que há resposta dose-dependente, ou seja, quanto maior a quantidade de citocina disponível, mais células são necessárias para que ocorra a neutralização. O mesmo efeito dose-dependente foi demonstrado com tocilizumabe. Nos testes de citotoxidade contra uma linhagem CD19+, os autores verificaram que não há diferença na atividade antitumoral das células que receberam apenas o transgene CAR comparado com as células que receberam o CAR junto com o mbaIL-6. Além disso, o sequestro de IL-6 não teve diferença quando compararam as células que receberam apenas mabIL-6 com as que receberam CAR mbaIL-6.
Após os ensaios in vitro, os autores iniciaram os experimentos em camundongos. Primeiro avaliaram apenas a capacidade antitumoral das células que receberam CAR ou CAR mab-IL-6 em camundongos enxertados com células CD19+. Não houve diferença no crescimento tumoral nem na sobrevida. Em outro experimento, injetaram a citocina IL-6 nos camundongos e verificaram que o grupo que recebeu CAR mbaIL-6 tinha capacidade de diminuir a quantidade de IL-6 no soro dos animais. Além disso, demonstraram que essa neutralização também é dose dependente in vivo, ou seja, quanto maior o número de células CAR mabIL-6 injetadas, maior o sequestro de IL-6 no soro dos animais. Por fim, verificaram que a ligação do IL-6 ao mabIL-6 é estável uma vez que a ligação da IL-6 com as células CAR mabIL-6 retiradas dos camundongos permaneciam estável.
Apesar desse trabalho apresentar vários experimentos com diferentes abordagens que validam bem o sistema, talvez o modelo que avalia CRS em camundongos não seja o mais adequado. Em 2018, dois grupos independentes desenharam modelos animais que tentam mimetizar ao máximo o que ocorre em um ser humano. Giavridis e colaboradores (2018)[3] utilizaram a linhagem de camundongo SCID-beige. Injetaram 3 milhões de células RAJI intraperitoneal e esperaram 20 dias para o início do tratamento. Com essa abordagem os camundongos sofreram CRS severa em 2-3 dias após o tratamento com células CAR-T. Já o outro grupo, Noreli e colaboradores (2018)[4], introduziram células-tronco progenitoras hematopoiéticas em camundongos imunodeficientes NSG transgênicos que expressam fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) humano. Após o inóculo do tumor e posterior tratamento com células CAR-T, os camundongos apresentaram sinais de CRS em poucos dias. Talvez o uso desses modelos possa refinar ainda mais os resultados do trabalho de Tan, A. H. J e colaboradores.

Figura representativa adaptada do texto.
Figura ilustrativa do texto. A construção de um anti-IL-6 scFv (mbaIL-6) tem como finalidade neutralizar as moléculas de IL-6 circulantes. Com a proliferação celular, mais moléculas anti IL-6 são disponibilizadas na membrana das células CAR-T e sua função aumentada. O trabalho mostra que, ao construir um vetor que contém o CAR junto ao mbaIL-6, pode-se diminuir ou até evitar a ocorrência do efeito adverso mais comum em pacientes tratados com células CAR-T, a síndrome de liberação de citocinas (CRS). Além disso, a adição do mbaIL-6 não alterou a função antitumoral das células CAR-T. Fonte
Texto base:
TAN, Adrian H. J.; VINANICA, Natasha; CAMPANA, Dario, Chimeric antigen receptor-T cells with cytokine neutralizing capacity, Blood Advances, v. 4, n. 7, p. 1419–1431, 2020.
Referências:
[1] SHIMABUKURO-VORNHAGEN, Alexander et al, Cytokine release syndrome, Journal for ImmunoTherapy of Cancer, v. 6, n. 1, p. 56, 2018. [2] TAN, Adrian H. J.; VINANICA, Natasha; CAMPANA, Dario, Chimeric antigen receptor-T cells with cytokine neutralizing capacity, Blood Advances, v. 4, n. 7, p. 1419–1431, 2020. [3] GIAVRIDIS, Theodoros et al, CAR T cell-induced cytokine release syndrome is mediated by macrophages and abated by IL-1 blockade, Nature Medicine, v. 24, n. 6, p. 731–738, 2018. [4] NORELLI, Margherita et al, Monocyte-derived IL-1 and IL-6 are differentially required for cytokine-release syndrome and neurotoxicity due to CAR T cells, Nature Medicine, v. 24, n. 6, p. 739–748, 2018.
コメント