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  • Foto do escritorLeonardo Ribeiro

A resposta imunológica na infecção do tumor por bactérias

Estima-se de que, em nosso corpo, para cada célula humana exista uma célula bacteriana, e, na maior parte do tempo, temos com estas uma relação amigável e mutualística. Pensar na possibilidade de que somos constituídos, em parte, por células bacterianas pode ser algo perturbador. A possibilidade dessa estreita interação se dá pela capacidade do nosso sistema imunológico reconhecer tanto o que é próprio quanto não próprio, identificando potenciais ameaças ao equilíbrio fisiológico do organismo. De fato, a ideia belicista do sistema imunológico, como capaz de eliminar somente o que não é próprio, não é valido para o reconhecimento de antígenos associados aos tumores.

Antígenos associados a tumores são expressos tanto em tecidos normais quanto em tumores e podem ser bons alvos para imunoterapias. Entretanto, uma vez que antígenos associados são reconhecidos pelo sistema imune, há o risco de ocorrerem reações autoimunes prejudiciais contra os tecidos normais que expressam esse antígeno. Em contraste, os antígenos específicos de tumor, denominados neoantígenos, surgem de mutações genéticas específicas do tumor e são expressos apenas em células tumorais, sendo alvos ideais para um ataque imunológico. O processamento desses neoantígenos permite a geração de peptídeos derivados do antígeno, que serão apresentados ao sistema imunológico por moléculas especializadas chamadas antígenos leucocitários humanos (HLAs) na superfície da célula. Os peptídeos derivados de neoantígenos são tipicamente específicos do tumor e do paciente, e requerendo imunoterapias personalizadas.

O reconhecimento de antígeno, seja exógeno ou endógeno, em muitos casos não é capaz de disparar uma reação inflamatória e causar desiquilíbrio. Pelo contrário, parte desse reconhecimento é a base central dos mecanismos de tolerância imunológica, no intuito de estabelecer a homeostase do organismo com a microbiota. Por milhões de anos, bactérias comensais colonizam as barreiras superficiais de organismos multicelulares, incluindo humanos, constituindo uma relação muito bem estabelecida resultante de um processo evolutivo de interação com resposta imunológica. A colonização de tumores por microrganismos tem sido bem estabelecida nos últimos anos, sendo denominada de microbiota tumoral. Nesse sentido, uma grande variedade de espécie de bactérias associadas a tumores já foram identificadas.



Com o objetivo de avaliar a relação entre a microbiota tumoral e a resposta imunológica em melanoma, o grupo liderado por Yardena Samuel publicou um trabalho onde foi avaliada a composição bacteriana em 17 biópsias de metástases de melanoma de 9 pacientes. Os autores utilizaram uma plataforma de sequenciamento do gene rRNA 16S acoplada à peptidômica de HLA e aplicaram às amostras de tumores de melanoma metastático. A análise filogenética através do sequenciamento do rRNA 16S revelou uma importante diversidade das populações bacterianas em diferentes amostras metastáticas. Outro importante resultado foi que, num mesmo indivíduo e, ocasionalmente, em amostras de diferentes pacientes, há uma alta similaridade na composição dessas populações, sugerindo que determinadas espécies bacterianas são comuns ao melanoma.

Em seguida, utilizando uma plataforma de espectrometria de massa denominada imunopeptidômica, os autores investigaram se os peptídeos derivados dessas bactérias seriam apresentados ao sistema imunológico pelos seus HLAs. Nessa abordagem, o HLA é imunoprecipitado e os peptídeos associados são identificados, o que permite a detecção direta de peptídeos apresentados. Aproximadamente 300 peptídeos derivados de 41 diferentes espécies bacterianas foram identificados, sendo esses peptídeos compartilhados em mais de um tumor do mesmo paciente, e talvez o mais interessante, foram compartilhados peptídeos bacterianos em tumores de pacientes diferentes. Adicionalmente, os autores demonstraram que os peptídeos derivados de bactérias foram apresentados tanto por células apresentadoras de antígenos profissionais (APCs), quanto por células tumorais de melanoma. Esses dados sugerem que o mesmo peptídeo poderia, além de iniciar uma resposta imune através da apresentação em APCs, ser um potencial alvo em células tumorais.


Finalmente, os pesquisadores observaram que as células T isoladas dos melanomas responderam aos peptídeos bacterianos identificados, inclusive a peptídeos compartilhados entre tumores de diferentes pacientes. Já se sabe que tanto a microbiota intestinal quanto a tumoral podem impactar a sobrevida de pacientes com câncer que são submetidos a diversas terapias. O presente estudo revela que a microbiota tumoral, em especial as bactérias intracelulares, é capaz de modular a ativação do sistema imunológico no microambiente tumoral em melanoma metastático. Esse achado tem potencial para impactar o desenvolvimento de novas estratégias imunoterapêuticas que incluam as respostas de células imunes do infiltrado tumoral aos antígenos bacterianos.







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