- Por Leonardo Ribeiro -
Vetores lentivirais (versões não virulentas derivadas de um tipo de retrovírus) são ferramentas amplamente utilizadas na entrega de transgenes de interesse para diferentes tipos celulares, possibilitando uma alta eficiência de integração do inserto no genoma. Nesse sentido, a utilização de um vetor lentiviral que possua tropismo para um determinado tipo celular tem o potencial de diminuir os efeitos colaterais que poderiam ocorrer caso o vetor infectasse células diferentes daquelas alvejadas pela terapia. Nos últimos anos, a equipe do Dr. Christian J. Bushholz do instituto Paul Ehrlich, na Alemanha, tem desenvolvido tais vetores, que são capazes de reconhecer receptores das células alvo. Essa tecnologia é baseada na engenharia das glicoproteínas que compõem o envelope viral do vírus do sarampo: as proteínas H (hemaglutinina) e F (fusão). A especificidade para a célula alvo é fornecida através de uma modificação na extremidade da proteína H, que codifica um fragmento variável de cadeia única derivado de um anticorpo capaz de reconhecer um antígeno da superfície celular.
Mas como um vírus poderia ensinar o sistema imunológico a combater uma célula tumoral? Novas estratégias de terapias gênicas baseadas na edição gênica de linfócitos T estão sendo desenvolvidas atualmente, possibilitando que essas células reconheçam e eliminem tumores. Seguindo esse conceito, o grupo do Dr. Bushholz desenvolveu o lentivírus chamado CD8-LV, capaz de se ligar ao co-receptor CD8 presente na superfície de linfócitos T CD8 citotóxicos. O próximo passo foi utilizar o CD8-LV como vetor, carreando um inserto que codifica um receptor quimérico de antígeno (CAR). As imunoterapias utilizando linfócitos T que expressam CAR anti-CD19 têm demonstrado grande eficácia no tratamento de LLA-B e linfomas, uma vez que a molécula CD19 é expressa na maioria destes tumores derivados de células B. Nesse protocolo terapêutico, os linfócitos são coletados a partir do sangue periférico dos pacientes. Em seguida, essas células são ativadas, modificadas geneticamente, expandidas em laboratório, e, finalmente, devolvidas aos pacientes. Esse é um processo que, além de ter um custo altíssimo, é muito laborioso.
Talvez não seja exagero relembrar os esforços do gigante Paul Ehrlich, ícone da imunologia, cujo nome foi dado ao instituto de pesquisa alemão, em uma justa homenagem. Afinal, a “teoria dos anticorpos” de Ehrlich, em grande parte, tornou possível o conhecimento para a elaboração da engenharia envolvida nesse processo de geração das células CAR-T. Entretanto, o maior desafio do Dr. Bushhholz e colaboradores, e o verdadeiro diferencial desse trabalho, estão relacionados à entrega eficiente e altamente seletiva de genes nas células T in vivo. Essa não é uma tarefa trivial, pois não se trata somente de alcançar especificidade. É necessário que o transgene seja entregue eficientemente, o que nem sempre ocorre, uma vez que os linfócitos no estado inativado não são células muito receptivas à entrega de genes por vetores lentivirais.
Os autores mostraram ser possível reprogramar células T CD8+ para expressar a molécula do CAR em modelo de camundongos imunodeficientes (NSG), após a transferência adotiva de linfócitos T humanos. A indução de células CD8+ CAR-T foi seguida da eliminação de células tumorais que expressam o antígeno alvo CD19 (o alvo do CAR utilizado). É bem verdade que os animais desenvolveram sintomas relacionados à síndrome de liberação de citocinas, o que pode ocorrer eventualmente em pacientes tratados com células CAR-T. A partir do estabelecimento da prova de conceito da transdução dos linfócitos T CD8+ in vivo, abre-se uma nova perspectiva terapêutica e promove-se, assim, um grande avanço potencial no campo da imunoterapia celular.
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