A imunoterapia com transferência adoptiva de células T expressando receptores quiméricos (CAR) já demonstrou ser bastante eficaz no tratamento de diversos tipos de tumores. Em 2014 o ensaio clinico de Davila e colaboradores(1) demonstrou uma taxa de 88% de resposta ao tratamento de pacientes com leucemias linfoides agudas (LLA) tratados com CAR anti-CD19, abrindo os caminhos para a atual popularidade da técnica. Entretanto, apesar da eficácia do tratamento, alguns desses pacientes com remissão completa acabam apresentando recidiva do tumor, e pior: sem a expressão do antígeno-alvo CD19. Muitos fatores podem estar associados a este fenômeno, como: (i) Splicing alternativo, levando à perda da expressão do epítopo na membrana tumoral ; (ii) rearranjo do gene MLL, levando a alterações fenotípicas da célula; (iii) seleção de células tumorais que não expressam CD19 e que não são reconhecidas pelo CAR anti-CD19 , podendo eventualmente proliferar a ponto de levar à recidiva; (iv) trogocitose(2) (figura 01).
Figura 01 – representação gráfica dos principais mecanismos envolvidos na perda de expressão de CD19 em tumores de células B.
Neste sentido, a proteína CD22 surgiu como um novo possível alvo de tumores de células B para tratamento com células CAR T, demonstrando uma média de 70% de remissão completa de pacientes recidivados, inclusive resistentes ao tratamento com CAR T anti-CD19 (3). Entretanto, parte dos pacientes tratados incorreram da mesma forma na recidiva do tumor, com exceção no nível de expressão do antígeno tumoral. Diferentemente do CD19, biopsia dos pacientes demonstraram apenas diminuição da expressão do antígeno CD22 pelas células tumorais, o que abre questionamentos sobre a funcionalidade das células CAR T anti-CD22 neste cenário.
Em vista disso, o trabalho de Ramakrishna e colaboradores (4) dedicou-se a investigar inicialmente a eficácia de células CAR T anti-CD22 no tratamento de células tumorais CD22low. Para isso, os autores desenvolveram diferentes linhagens da leucemia de precursores B Nalm6 com nenhuma ou baixa expressão do antígeno; após fazer o co-cultivo das linhagens tumorais com as células CAR T, foi observado que a redução da expressão de CD22 nas células tumorais era capaz de modular a ativação dos linfócitos, levando à menor produção de IL-2, bem como menor proliferação das células. Além disso, as células CAR T expostas à linhagem CD22low tiveram estatisticamente uma maior subpopulação com fenótipo de memória naíve. Ao analisarem camundongos inoculados com a linhagem com baixa expressão do antígeno, também foi observado uma menor sobrevida quando comparados aos camundongos inoculados com a linhagem Wild type e tratados.
Como o CAR anti-CD22 utilizado possui uma baixa afinidade relativa pelo antígeno tumoral, foi gerado um novo CAR com maior afinidade no intuito de avaliar se esta mudança seria capaz de aumentar a funcionalidade dos linfócitos frente ao tumor com baixa carga antigênica . Entretanto, após o cultivo com diferentes linhagens tumorais, o novo CAR não demonstrou diferença de ativação ou citotoxicidade contra os tumores que apresentavam baixa expressão do CD22. Além disso, ao tratar camundongos inoculados com as linhagens tumorais CD22low, foi observado surpreendentemente uma maior população de células com fenótipo Naíve, em comparação ao CAR original.
Ainda no intuito de aumentar a eficácia das células CAR T frente à célula tumoral com baixa carga de antígeno, os pesquisadores começaram a utilizar Biostratina1 – uma droga descrita na literatura capaz de aumentar a expressão de CD22. Após a confirmação da ação da droga no aumento da proteína em diferentes linhagens tumorais de LLA e Linfoma difuso de grandes células B, demonstraram que o tratamento prévio do tumor com Biostratina1, quando em co-cultivo com as células CAR T, levou a uma maior produção de citocinas como IL-2 e IFNy ; de modo a não interferir na atividade in vivo das células CAR T separadamente quando expostas à droga. Por fim, para confirmar a capacidade da droga de melhorar o desempenho da terapia CAR-T contra o CD22, os autores desenvolveram um modelo de xenoenxerto derivado de paciente, inoculando células tumorais de pacientes recidivado do tratamento com CAR anti-CD22 em camundongos imunodeficientes ; 6 semanas depois – com o tumor já bem estabelecido – foi administrada uma dose única de células CAR T e duas doses semanais de Biostratina1 ou DMSO como controle. O trabalho mostra que a adição de Biostratina1 foi capaz de aumentar significativamente a ação das células CAR T, reduzindo de modo elevado a população de células tumorais nos camundongos inoculados.
Desta forma, o trabalho demonstrou que a funcionalidade da terapia com células CAR T anti-CD22 pode ser afetada pela densidade de antígeno-alvo na célula tumoral; entretanto, isto pode ser revertido com a adição de Biostratina1, tornando-a uma possibilidade promissora para estender a durabilidade de remissão de pacientes tratados. Visto isso, é importante explorar de maneira mais elucidativa os possíveis mecanismo de ação da droga para exercer o aumento do CD22 nas linhagens avaliadas; além disso, é importante avaliar diferentes mecanismos que exerçam a mesma regulação da expressão antigênica para diferentes alvos, como o próprio CD19.
Referências:
1. Davila ML, Riviere I, Wang X, Bartido S, Park J, Curran K, et al. Efficacy and toxicity management of 19-28z CAR T cell therapy in B cell acute lymphoblastic leukemia. Sci Transl Med. 2014 Feb 19;6(224):224ra25.
2. Xu X, Sun Q, Liang X, Chen Z, Zhang X, Zhou X, et al. Mechanisms of Relapse After CD19 CAR T-Cell Therapy for Acute Lymphoblastic Leukemia and Its Prevention and Treatment Strategies. Front Immunol. 2019 Nov 12;10:2664.
3. Fry TJ, Shah NN, Orentas RJ, Stetler-Stevenson M, Yuan CM, Ramakrishna S, et al. CD22-targeted CAR T cells induce remission in B-ALL that is naive or resistant to CD19-targeted CAR immunotherapy. Nat Med. 2018 Jan;24(1):20–28.
4. Ramakrishna S, Highfill SL, Walsh Z, Nguyen SM, Lei H, Shern JF, et al. Modulation of Target Antigen Density Improves CAR T-cell Functionality and Persistence. Clin Cancer Res. 2019 Sep 1;25(17):5329–5341.
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