- Por Clara Andrade -
O sucesso da terapia com CAR-T depende de muitos fatores, como o design do CAR, a qualidade das células T para a fabricação, a capacidade de proliferação e expansão das células in vivo e também o microambiente tumoral. Apesar da expansão das células CAR-T in vivo ser fundamental para para a resposta clínica, pouco se sabe sobre as CAR-T no produto de infusão, como a composição clonal e como as assinaturas transcricionais podem se correlacionar com o destino celular in vivo. Além disso, o conhecimento acerca desses aspectos pode auxiliar no entendimento sobre a toxicidade relacionada à terapia com células CAR-T, que ainda persiste como um desafio para o sucesso da terapia.
Assim, em um artigo publicado na Nature Communications em janeiro de 2020, Sheih e colaboradores analisaram a cinética clonal e o perfil transcricional de célula única de células CAR-T em pacientes que foram submetidos à imunoterapia com células CAR-T anti-CD19, avaliando o produto de infusão e as células posteriormente in vivo. Estudos anteriores relataram associações entre atributos funcionais em populações de células CAR-T agrupadas e resposta clínica, entretanto nenhum examinou fatores que impactam a expansão de clones distintos em pacientes individuais, o que destaca a relevância desse artigo. (Berger et al., 2008; Finney et al., 2019)
Primeiramente, os pesquisadores avaliaram a diversidade clonal através do sequenciamento de alto rendimento da região TCRB CDR3 em células CD8+ CAR-T no produto de infusão, em momentos iniciais e mais tardios após a transferência adotiva das células. Eles observaram que as CAR-T CD8+ eram altamente policlonais, pois várias famílias do gene TCRB estavam representadas. Também analisaram a similaridade do repertorio nos diferentes pontos de tempo e observaram que a maior correspondência foi entre o produto de infusão e células isoladas logo após a infusão, quando comparadas com as isoladas no ponto de tempo posterior. Além disso, os autores demonstram que nem todos os clonotipos prevalentes no produto de infusão contribuíram para o pool de células CAR-T após a infusão e que os tipos mais frequentes no tempo inicial e tardio originaram-se de clonotipos que tinham baixa frequência no produto de infusão. Assim, esses resultados evidenciam que as células CAR-T infundidas possuem diferenças na capacidade de proliferar, sobreviver e permanecer no sangue após a transferência adotiva.
Outro aspecto importante acerca da cinética clonal das CAR-T, e que foi avaliado pelos autores, é o local de integração do vetor, que pode estar associado à cinética clonal das CAR-T. O interesse por essa verificação veio a partir de um estudo publicado em 2018 que demonstrou que um único clone originado de uma inserção mediada por vetor lentiviral do transgene CAR no gene TET2 e foi responsável pelo pico de expansão de um clone de células CAR-T e erradicação do tumor (Fraietta et al, 2018). Sendo assim, os pesquisadores investigaram quais foram os locais de integração do vetor e relataram que os locais de integração eram consistentes com os padrões de integração lentiviral previamente descritos em células T humanas. Além disso, observaram que a integração em íntrons foi mais frequente do que em éxons e que os locais de inserção do produto de infusão após a expansão in vivo possuíam perfis diferentes.
A segunda parte desse estudo conta com análise de RNA-seq, que foram classificadas com base na expressão do receptor do fator de crescimento epidérmico humano (EGFRt), usado como gene repórter, e que além de avaliado no produto de infusão (em momentos iniciais, intermediário e tardio. A visualização dos dados através de t-SNE revelou que os perfis transcricionais de células CD8 + CAR-T no sangue em todos os pontos de tempo divergiram progressivamente das CAR-T do produto de infusão. As vias mais enriquecidas no produto de infusão foram vias ligadas à glicólise, em contraste com os pontos de tempo inicial e tardio, em que as vias mais enriquecidas eram as associados à citotoxicidade mediada por células, como PRF1, GZMB e GZMK , que diminuíram no ponto tardio. Além disso, foi observado que o perfil transcricional de vias ligadas à ativação celular e resposta efetora estavam mais enriquecidas inicialmente após a infusão, e que diminuíram nos pontos intermediário e tardio, juntamente com a diminuição da expressão gênica de MKi67, gene associado à proliferação celular. Esses resultados evidenciam a erradicação do antígeno alvo, visto que inicialmente há uma maior expressão de genes relacionados a citotoxicidade e proliferação celular, que demonstram a funcionalidade das CAR-T contra o tumor e que posteriormente decaem, quando há a eliminação das células alvo.
Outro ponto abordado por esse trabalho foi a exaustão celular, que pode ocorrer nas células CAR-T devido ao microambiente tumoral e à sinalização basal tônica da molécula do CAR. Utilizando dois conjuntos de genes associados à exaustão, os autores observaram que não há evidencias de exaustão celular nas células CAR-T infundidas nos pacientes em nenhum ponto de tempo.
Foi então questionado se os clusters de células CAR-T infundidas contribuíram para o repertório in vivo, o que foi analisado através de análises de expressão gênica. Após a infusão, a heterogeneidade transcricional das células CD8 + CAR-T diminuiu progressivamente no sangue ao longo do tempo. Além disso, através da análise de agrupamento não supervisionado dos dados de RNA-seq, foram identificados quatro agrupamentos transcricionalmente distintos de células CAR-T que foram encontrados no produto de infusão e foram distinguidos pela expressão diferencial de ativação de células T, citotoxicidade, mitocondriais e genes associados ao ciclo celular. Com o objetivo de rastrear o comportamento clonal de células CD8+ CAR-T após infusão, as sequências de TCR foram emparelhadas aos dados de RNA-seq e classificadas de acordo com a frequência relativa em relação ao produto de infusão e com os períodos de tempo posteriores a infusão. Os dados foram classificados como apresentando uma frequência relativa aumentada (IFR) ou diminuída (DRF). A análise demonstrou que os genes que tiveram a frequência relativa aumentada após a infusão eram genes associados à atividade citotóxica e proliferação, o que corrobora os resultados anteriores.
Sendo assim, essas descobertas ilustram o potencial do scRNA-seq para fornecer informações detalhadas e de extrema importância sobre o produto de infusão e de como as células mudam o perfil e comportamento in vivo após a transferência adotiva, além de contribuir para o entendimento das diferentes respostas que podem ocorrer de indivíduo para indivíduo. Além disso, o conhecimento sobre o produto que será gerado e infundido nos pacientes é de extrema importância, o que já foi demonstrado por Fraietta e colaboradores, que relataram que uma remissão sustentada em pacientes com leucemia linfocítica crônica estava associada a uma frequência elevada de células T CD8+ CD27+ CD45RO- antes da geração de células T CAR+ de pacientes tratados (Fraietta et al, 2018). Esses resultados demonstram que o conhecimento detalhado sobre as populações celulares anteriores à infusão pode predizer resultados positivos na terapia com células CAR-T e pode guiar futuros estudos que contribuam para a melhoria dessa imunoterapia, auxiliando na diminuição da toxicidade e aumentando a chance de recuperação de muitos pacientes.
Figura 1. A figura mostra a diversidade clonal do produto de infusão das células CAR-T, representada pelos diferentes TCRs e perfis de expressão gênica. Após a transfusão adotiva, é possível visualizar que no pico de expansão apenas alguns clones foram expandidos, demonstrando assim uma resposta oligoclonal.
REFERÊNCIAS
Sheih, A., Voillet, V., Hanafi, LA. et al. Clonal kinetics and single-cell transcriptional profiling of CAR-T cells in patients undergoing CD19 CAR-T immunotherapy. Nat Commun 11, 219
Fraietta, J. A. et al. Disruption of TET2 promotes the therapeutic efficacy of CD19-targeted T cells. Nature 558, 307–312 (2018).
Finney, O. C. et al. CD19 CAR T cell product and disease attributes predict leukemia remission durability. J. Clin. Invest. 129, 2123–2132 (2019)
Berger, C. et al. Adoptive transfer of effector CD8 + T cells derived from central memory cells establishes persistent T cell memory in primates. J. Clin. Invest. 118, 294–305 (2008).
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