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  • Foto do escritorBeatriz Monteiro

A IMPERATRIZ DE TODOS OS DESFECHOS: O PAPEL DA MICROBIOTA INTESTINAL NA TERAPIA COM CÉLULAS CAR-T




A terapia com células CAR-T anti-CD19 representa um avanço no tratamento de pacientes com neoplasias hematológicas CD19+ recidivantes ou refratárias. Apesar da alta taxa de resposta inicial, as terapias CAR-T atuais ainda enfrentam dificuldades associadas à perda da eficácia a longo prazo, à ocorrência de toxicidades e à falta de biomarcadores que possam prever os possíveis desfechos (Davila et al., 2014; Park et al., 2018).


Pacientes submetidos a esse tipo de terapia podem desenvolver algumas formas de toxicidade mediada por CAR, como a síndrome da liberação de citocinas inflamatórias ou a síndrome da neurotoxicidade associada às células efetoras imunes. Adicionalmente, citopenias de alto grau e de longo prazo são frequentemente observadas após a terapia, além de, maior propensão às complicações infecciosas, com consequente uso de antimicrobianos. Um recente estudo demonstrou que mais da metade dos pacientes pediátricos apresentam infecção dentro dos três meses anteriores à intervenção e em cerca de 40% nos primeiros dias após a infusão (Vora et al., 2020). Já em adultos, casos de infecção foram mais comuns nos primeiros 2 meses, após a terapia (Wudhikarn et al., 2020). Em ambos os casos, curiosamente, o intestino foi o principal local de infecção, assim como, os comensais intestinais foram os principais responsáveis por uma fração considerável das mesmas.


Cada vez mais nos é revelado o papel fundamental da microbiota em dirigir e orquestrar a resposta imune contra o câncer. Nos últimos anos, estudos pré-clínicos e clínicos sugeriram que o microbioma intestinal poderia regular a imunidade das células T em uma variedade de doenças. A microbiota intestinal pode modular a resposta imune antitumoral à quimioterapia, à radioterapia, à terapia celular adotiva, ao bloqueio de checkpoint imunológico e à doença do enxerto contra o hospedeiro, após transplante alogênico de células hematopoiéticas. Além disso, estudos também demonstram que a exposição a antibióticos antes da quimioterapia ou do bloqueio do checkpoint imunológico está associada a piores resultados em pacientes com vários tipos de câncer, incluindo linfoma (Pflug et al., 2016; Routy et al., 2018; Vétizou et al., 2015).


Diante disso, seria possível que a microbiota também interferisse na resposta imune após a terapia com células CAR-T? Apesar de ser uma pergunta muito interessante, há poucos grupos de pesquisa investigando essa relação, principalmente com amostras de origem humana.


Em um recente estudo, Smith e colaboradores (2022) analisaram a associação entre a exposição a antibióticos ou a composição da microbiota fecal e a eficácia e toxicidade após a terapia com células CAR-T anti-CD19 em pacientes com linfoma de células B e leucemia linfoblástica aguda. Sabendo que antibióticos são capazes de modificar a composição da microbiota intestinal, o primeiro passo foi investigar a relação entre o uso de antibióticos de amplo espectro (comumente administrados para o tratamento de pacientes neutropênicos) e o desfecho clínico. Notou-se que o uso de antibióticos por até quatro semanas antes da infusão com células CAR-T estava associado a uma pior sobrevida global, ou seja, a um menor percentual de sobrevivência após o início do tratamento.


Mas será que o domínio co-estimulatório CAR também poderia estar envolvido nesse resultado? Foi visto que independente de ser 4-1BB ou CD28, a taxa de sobrevida continuava significativamente reduzida em pacientes previamente tratados com os antibióticos, logo não havia influência do domínio coestimulatório na baixa sobrevida. Não somente isso, investigações adicionais revelaram que o uso de antibióticos também estava associado com o aumento da síndrome da neurotoxicidade associada às células imunes efetoras.


O próximo passo foi analisar a composição filogenética da microbiota fecal desses pacientes, antes do início da terapia com as células CAR T. Feito isso, os pesquisadores descobriram que a composição é significativamente diferente, assim como, apresentam uma baixa diversidade bacteriana, quando comparados com indivíduos saudáveis. Foram encontradas grandes quantidades da classe Clostridia e do filo Bacterioidetes, assim como microrganismos com potencial patogênico como Escherichia, Klebsiella e Enterococcus. Após diferentes análises, foi visto que os microrganismos dos gêneros Ruminococcus, Bacteroides e Faecalibacterium estavam associados à resposta à terapia com células CAR T. Por outro lado, maior abundância da ordem Veillonellales e da família Veillonellaceae foram os únicos táxons associados à diminuição da resposta completa. Em paralelo, não foram encontradas associações entre os diferentes táxons e a toxicidade.


Por fim, os autores se questionaram sobre os mecanismos pelos quais a microbiota intestinal influenciaria a resposta à terapia com células CAR-T anti CD19. Usando dados de metagenômica, notaram que uma das principais vias que estava enriquecida na microbiota fecal de pacientes que apresentaram toxicidade foi a via das pentose-fosfato não oxidativa, a qual influencia no metabolismo do triptofano tanto em bactérias quanto nos seres humanos.

Nesse sentido, já tem sido investigado os diferentes metabólitos e produtos microbianos capazes de exercer uma grande influência sobre células T e consequentemente sobre células CAR T. Dentre as moléculas e produtos microbianos pode-se destacar LPS; ácidos graxos de cadeia curta; produtos do metabolismo do triptofano (Figura 1).



Figura 1. Metabólitos e ligantes da microbiota intestinal que podem exercer influência sobre células CAR-T. (Schubert et al., 2021)


O conhecimento sobre o perfil da microbiota associada aos pacientes submetidos à imunoterapia pode auxiliar nas estratégias de tratamento a fim de evitar o surgimento de toxicidade e aumentar as taxas de sobrevida. Não somente isso, explorar os gêneros e espécies bacterianos, assim como os produtos microbianos que exercem atividade sobre as células CAR-T pode auxiliar na busca de biomarcadores capazes de contribuir com a previsão dos possíveis desfechos clínicos.




 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS












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